Sociedade

Quando Vilar de Mouros era sinónimo de liberdade para os filhos da ditadura

2 ago 2016 00:00

Fomos ouvir os testemunhos de leirienses que viveram a experiência do Woodstock português ao vivo e em primeira mão.

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Verão de 1982. Um jovem militante de base do Partido Comunista Português, 23 anos de idade, chega a Vilar de Mouros para a segunda edição do Woodstock português. A viajar de automóvel, mas à boleia, tem pouco mais do que a roupa no corpo, a companhia dos amigos e a vontade de experienciar um acontecimento pioneiro. "Levei um cobertor e um saco cama, dormíamos onde calhava. O ambiente era completamente diferente de agora", recorda José Peixoto Henriques, à época estudante de Direito na Universidade de Coimbra. "Íamos comer às tasquinhas e às vezes não pagávamos porque nos ofereciam comida". O primeiro Vilar de Mouros em democracia, após um interregno de 11 anos. "Não era ainda um festival para betinhos" e mantinha "um certo estigma", relacionado com os cabelos compridos no masculino e com outros modos de ser, considera o ex-candidato a deputado pelo Bloco de Esquerda em Leiria. "E por isso foi engraçado ver como as pessoas das aldeias gostavam de nós".

Mesmo à distância, percebe-se o entusiasmo dos milhares de festivaleiros presentes. Os britânicos The Stranglers e Echo & The Bunnymen abriram as hostilidades no dia 31 de Julho, com os portugueses Heróis do Mar. E até 8 de Agosto passaram pelo palco nomes internacionais do punk, do rock e do blues como Durutti Column, U2, A Certain Ratio, Hawkwind ou Johnny Copeland, que partilharam o cartaz com vários ranchos folclóricos, formações de jazz, o maestro António Vitorino de Almeida, o guitarrista Carlos Paredes, o flautista Rão Kyao e as bandas GNR e Jafumega, entre outras. "Uma coisa completamente diferente, com uma oferta musical variada. Eu estava mais focado no jazz e foi a primeira vez, talvez, que comecei a dar atenção à música do mundo", refere José Peixoto Henriques, que não esquece o concerto do jazzman Sun Ra (com The Arkestra). E numa época com dois canais de televisão, alguns programas de rádio e nenhuma internet, ou seja, com acesso limitado a novas edições, sobretudo do estrangeiro, ir a Vilar de Mouros era também a oportunidade para descobrir outros projectos e sonoridades. "As pessoas iam para confraternizar e, de facto, para ouvir música", afirma.

Também o TELA – Teatro Experimental de Leiria está na história de Vilar de Mouros, em 1982, com uma peça de crítica social apresentada por iniciativa própria entre as tendas de campismo. "Era uma maneira de suportar a estadia e de promover a companhia", explica Constantino Alves, um dos fundadores do grupo. "Fizemos um espectáculo de propósito e uma pequena digressão ali à volta, na zona de Cerveira. Era uma coisa inspirada num trabalho de improvisação sobre as rotinas quotidianas e a vida de um funcionário", recorda.

Num "ambiente descontraído" e influenciado por "um grande fluído de liberdade", a experiência não podia ter corrido melhor, diz o actor e dramaturgo. "Em 1982 as pessoas estavam muito libertas e gostaram muito. Sentíamos que era um momento de liberdade que se estava a dar com todos, e estas iniciativas, como o teatro de rua, eram muito bem-vindas. Para mim foi maravilhoso, muito engraçado".

Com a memória da ditadura ainda fresca, tudo estava a começar, embora sem a carga política que Vilar de Mouros manifestou nas edições de 1968 (com Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira) e 1971 (que originou a alcunha de Woodstock português) nem o colorido da cultura hippie, que se diluía no meio de uma multidão mais vasta e heterogénea. "Éramos todos um bocado calças de ganga, mas um movimento diferente, de um país que estava a abrir-se à modernidade, que perpassava todas as classes. Uma coisa boa que têm os festivais é o convívio e a comunhão e na altura isso fazia-se sentir com intensidade", refere Constantino Alves. "A palavra liberdade tinha outro sabor que se calhar não tem hoje, mas não era uma coisa só política".

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