Opinião

Pai movido a rebuçados

25 out 2018 00:00

Só depois da inspecção minuciosa da diversidade de rebuçados que ela lhe trazia para semana, já com um na boca, é que lhe dirigia finalmente o olhar.

Andava todas as semanas pelas lojas da cidade à procura de novos rebuçados para a visita dominical ao pai. Com pouco açúcar a pensar na diabetes que o acompanhava há muitos anos, mas com a dimensão certa para que durassem o tempo de leitura das dez páginas que ainda conseguia ler por dia.

De ervas suíças para o Inverno e para os pequenos resfriados que lhe afectavam por vezes a garganta. De limão e sabugueiro para os dias mais quentes em que a boca lhe secava durante os passeios - sempre os mesmos - pelo jardim.

Ao domingo esperava-a religiosamente no hall de entrada. Sorria mal a via assomar-se à porta e depois de uma breve saudação verificava de imediato se trazia o saco de papel com os rebuçados para a semana.

Trocava de seguida longas impressões sobre a textura de uns, o sabor de outros e sobretudo sobre a dimensão. A dimensão certa que lhe permitia ler as dez páginas do livro e chegar ao fim da sua leitura ainda com o leve gosto do rebuçado na boca. «Ah, os do Dr. Bayard! Os perfeitos são os do Dr. Bayard! Duram o tempo certo», sublinhava todos os domingos.

Só depois da inspecção minuciosa da diversidade de rebuçados que ela lhe trazia para semana, já com um na boca, é que lhe dirigia finalmente o olhar. Perguntava-lhe pelo filho, pela vida, pela saúde, pelo trabalho e depois de lhe observar escrupulosamente o rosto, já com um rebuçado na boca, dizia-lhe - «Continuas bonita, mas com ar cansado e com mais umas rugas. Que pena…». Falavam depois sobre as dez páginas do livro que tinha lido naquele dia (da leitura do dia anterior já não se lembrava muito bem… também os rebuçados já tinham acabado há dois dias, queixava-se quase em silêncio).

Isso servia de pretexto para que lhe contasse mais uma vez as peripécias dela na infância e de como lhe roubava os rebuçados Dr. Bayard que

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