Opinião

O papel secundário é meu

8 set 2016 00:00

Quando quiserem romper umas meias solas, incendiar o soalho de uma qualquer pista de dança ou apalhaçarem qualquer situação o pai vai estar aqui para vocês. Qualquer outra questão é melhor falarem com a mãe.

Cuidado! Arredem-se! Finalmente saiu deste forno laboratório um estudo vagamente científico que promete não trazer nada de novo ao mundo. E queima. Queima e dói neste coração esforçado de pai.

Depois de ter vivido em cativeiro e também à solta com várias famílias, inclusivamente a minha, posso hoje, na margem obscura da dúvida afirmar que os putos preferem sempre a mãe. Fechem a boca, sosseguem esse espanto. Vocês são capazes de ter falhado alguns passos dos livros de auto-ajuda parental, mas eu garanto que cumpri tudo à risca e em certos casos elevei a coisa para patamares de xoninhas.

Eu fiz de tudo para que os miúdos gostassem mesmo muito de mim. Falei com eles durante a gravidez, encostadinho à pele esticada da barriga da mãe, com uma voz calma, suave e rouca. Tipo Rod Stewart em modo vou sacar mais uma loira. Mudei fraldas, limpei ranho, chocalhei biberons de madrugada, embalei-os e adormeci-os. Disfarçando sempre ao máximo o nível de stress que por vezes faz abanar o equilíbrio do universo.

Fiz as coisas sérias e as palhaçadas. Se formos desleixados, condescendentes e ligeiramente malucos podemos até dizer que fiz tudo o que a mãe lhes faz e mesmo assim sou sempre um actor secundário neste filme. Bem sei que eles andaram 9 meses a serem evangelizados pela mãe ainda no ventre e depois mais cinco meses de mimos a tempo inteiro. Aliás, aproveito esta antropologia de algibeira para sugerir aos membros do governo que me lêem, para avançarem rapidamente para a igualdade parental total no que diz respeito ao tempo em casa pós parto. Para evitar o alastrar desta patologia do pai que não é preferido.

Eu que dou tudo, posso afastar-me das crianças que elas nem se apercebem, a mãe sai um bocadinho do radar visual e há logo goelas à mostra. Eu que me esforço mais do que um betinho num exame de História, tenho de aguentar a humilhação de chegar ao quarto do puto para o acalmar de um problema qualquer com o escuro, e ouvir: “Tu não, vai chamar a mãe”. Como se não bastasse, como é normal, a mãe também passou a gostar mais dos putos do que qualquer outra coisa, ficando aqui o menino relegado para o lugar do gajo que carrega as compras mais pesadas e que ao nível das manifestações de carinho vem como a última escolha, a seguir ao peluche, ao carro comandado e ao esquentador.

Como é óbvio, não vou desistir de colher um amor para mim igual ao que a mãe usufrui. As maiores batalhas são para os melhores soldados, é uma frase que não tem muito a ver, mas eu gosto dela, e fica sempre bem atirar com um chavão para chegar mais rápido ao limite mínimo de caracteres. Quando quiserem romper umas meias solas, incendiar o soalho de uma qualquer pista de dança ou apalhaçarem qualquer situação o pai vai estar aqui para vocês. Qualquer outra questão é melhor falarem com a mãe. No fundo, eu faço o mesmo.