Opinião

O “mantra” do Buraco Negro

13 abr 2018 00:00

Buraco Negro é um grupo informal, parte da associação ***Asteriscos, de pessoas interessadas em ciência e na sua divulgação.

Parece-me inquestionável que devemos assentar o nosso posicionamento sobre questões complexas em factos objectivos. Muitos debates fracturantes da nossa sociedade beneficiariam dessa postura.

Tal como uma justiça independente e objectiva ou um jornalismo rigoroso, a ciência é fundamental na nossa sociedade. Por exemplo: como podemos debater o problema dos plásticos sem ter como ponto de partida um conhecimento sobre a química subjacente, os números, etc?

Como podemos entender os riscos ou benefícios da inteligência artificial, sem algum conhecimento do seu princípio de funcionamento? Infelizmente, acho que muito do debate sobre questões científicas ainda é conduzido numa base de crença, fé, ou postura filosófica.

Aderimos e defendemos uma determinada posição por nos sentirmos atraídos ou próximos dos valores que ela representa, das pessoas que a defendem, ou por se encaixar na nossa mundo-visão ou sistema de crenças.

Acredito no entanto que tal não resulta de má-fé ou desonestidade intelectual mas sim de uma progressiva dissociação entre a sociedade em geral e a ciência, fruto em parte de uma cada vez maior especialização dos domínios científicos e crescente complexidade/opacidade da tecnologia.

De um fascínio pela ciência e tecnologia como produto do génio humano, vamos passando progressivamente ao fascínio pelos produtos da ciência e da tecnologia.

Num ambiente cada vez mais dominado por tecnologia destinada a poupar-nos trabalho, já nem precisamos de colocar questões inteligentes: quantas vezes começámos uma pesquisa no Google com duas palavras, para ver a formulação correcta da nossa pesquisa sugerida automaticamente, com as respostas exactas que procurávamos?

Significa isto que estamos condenados a deixar estes debates apenas nas mãos dos especialistas? Creio que não. É da natureza do processo científico procurar modelos explicativos e preditivos o mais simples possíveis; a Navalha de Occam garante que os modelos científicos devem assentar no menor número de pressupostos possível compatíveis com os dados.

A ciência é feita para ser explicada a não cientistas! Em vez de nos focarmos em transmitir as respostas da ciência, defendo que devemos fornecer a cada indivíduo os elementos básicos para que construa a sua visão do mundo com bases científicas.

Regressando aos exemplos anteriores, mais do que transmitir uma interpretação dos factos científicos (os plásticos são maus; a inteligência artificial é perigosa), importa fornecer os dados e factos, enquadrados de forma a permitir que cada um faça a sua interpretação fundamentada.

A experiência em primeira mão é a forma mais eficiente de integrarmos um conhecimento da realidade. A visão é o mais rico dos nossos sentidos. Quando não podemos experienciar em primeira mão, observar uma fotografia ou um filme pode ser a forma mais eficiente de apreendermos a mesma experiência.

Ou, se um conceito pela sua complexidade pode ser difícil de transmitir a um leigo (exigindo por exemplo um domínio de nomenclatura específica), pode muitas vezes ser clarificado por uma representação visual.

A maioria dos cientistas (em particular na matemática, área que consideramos mais abstracta) “pensa” visualmente. Acredito que é possível e desejável que a formação científica da população em geral (e dos jovens em particular) não seja limitada a uma exposição de resultados apresentados como dogmas, mas complementada por um contacto directo com os dados experimentais.

Creio que tanto os jovens como a população em geral pode assimilar a essência de conceitos complexos, sem necessariamente dominar os pormenores técnicos. Na população adulta, isto permitirá um posicionamento mais informado sobre as questões de base científica que se colocam à sociedade. Nos jovens, permitirá desenvolver uma visão mais completa do que é a ciência e da sua importância transversal, assim como a compreensão da ciência como algo em construção, um processo activo, em que eles podem tomar parte.

*** Um buraco negro é um objecto astronómico que “absorve” tudo o que se encontra na sua vizinhança. Um dos grandes problemas por explicar relativamente aos buracos negros é que, de acordo com os princípios mais fundamentais da física, a informação nunca pode ser destruída; o que acontece então à informação “absorvida” por um buraco negro?

Tal como um buraco negro, a ciência integra a informação sobre o mundo que nos rodeia; tem no entanto a obrigação de devolver essa informação à sociedade! Queremos por isso ir além da abordagem mais comum à divulgação e debate sobre ciência.

Queremos ir além do método expositivo predominante no nosso sistema de ensino e das exposições predominantes na divulgação científica. Queremos ir além das palestras que apenas nos transmitem as respostas, e não como chegamos a elas.

Queremos levar o público à cozinha da ciência e não apenas mostrar-lhe a ementa!

*Asterisco e membro do projecto Buraco Negro