Opinião

O grande mergulho

13 jul 2016 00:00

Um dia destes deparei-me com uma situação engraçada junto à foz do Mondego.

Dei por mim a chapinhar graciosamente (“graciosamente”, eu? - pronto, lá se vai a idoneidade desta narrativa ficcional…) na água fria da praia da Gala, com aquele arrepio que se nos sobe, num ápice, dos mindinhos dos pés até às orelhas, e que sempre nos faz hesitar sobre a altura certa em que devemos atirar o corpo ao abandono do açoite da onda que se nos afigura pronta a engolir-nos.

Mergulhei, por fim, mais motivado pela vontade de mostrar a minha virilidade às pessoas que entretanto me circundaram (atraídas, pois claro, pela dança ridícula do vai-não-vai que encetei e prolonguei até ao limite) do que pela coragem efectiva de assumir a vertigem brutal que o choque térmico que uma mudança drástica de temperatura pode provocar num corpo, mesmo que seja um, como o meu, que ostente uma assinalável camada protectora resultante de um trabalho contínuo e árduo de anos a acumular gordura.

Eis senão que conferi, finalmente, utilidade ao meu “pequeno” excesso de peso, ao mesmo tempo que percebi não ser o suficiente para que não sentisse na pele (e nas entranhas, acrescente-se) um gelo cortante, como se mil naifas afiadas penetrassem os meus poros e fecundassem, sem dó nem piedade, e de uma só estocada, a derme, epiderme e hipoderme.

Perdido no torpor de tamanha fustigação, nem me preocupei vir à tona respirar. A letargia da (in)consciência levou-me a nadar junto ao fundo do mar aproveitando a ocasião para mostrar àquela multidão que se acercara para testemunhar o meu “número de circo”, que eu também era exímio no suster da respiração.

Nadei, nadei, nadei, submergido, sem dar parte fraca e sem ceder às necessidades de oxigenação, não percebendo a falência em curso do meu sistema respiratório, movido apenas pelo desejo exacerbado de que, quando viesse, finalmente, à superfície, uma horda infindável de gente me aplaudisse e acalmasse em uníssono. Nos limites do sufoco emergi das águas, por fim, para sorver todo o ar do mundo.

Quando abri os olhos para a consolidação vitoriosa do meu feito, em vez de acolher os louros que esperava, recebi o gáudio de um pequeno grupo de amigos que, em gargalhadas, tinham acompanhado a minha epopeia sonâmbula de (patéticas) braçadas na areia e que, mesmo assim, me afastaram uns metros da toalha de praia onde, minutos antes, adormecera.

Por fim, e já em mim, gargalhei com eles, abanei a cabeça, e fui comer outra bola de berlim…