Opinião

Novembro

29 nov 2018 00:00

Seis dias depois nascer-me-ia o primeiro filho.

Ao sair de infância 
Não detivemos a pedra: um pássaro ferido;
não calamos o medo: um rasgão na pele
Não restituímos à luz a serenidade.

É certo que respirávamos
Abríamos as mãos
Esperávamos a noite diante de um livro muito sublinhado.

Até que alguém interrompendo o silêncio
abria a porta do quarto
e dizia: «já que não sabes rezar bebe ao menos um copo de leite
antes te e dar ao sono.

Jorge Gomes Miranda, Curtas-Metragens, Relógio d’Água, 2002

Em 1999 quando lançava um dos seus primeiros livros de poemas dissera-me, à porta da editora, que só se compreende o sentido absoluto do amor depois das primeiras grandes perdas. Já não tinha os pais, nem a madrinha que o criara, e já então eu tinha a minha mãe doente.

Só em 2005 viria a compreender o alcance daquilo que me disse naquele dia. Em Novembro.

A minha mãe sucumbiria naquele mês à doença. Longa, surda e injusta. A mesma de sempre. Aquela que “te minga até a identidade e que te reduz a um nódulo de ti mesmo”*.

Seis dias depois nascer-me-ia o primeiro filho. Um calendário sem contemplações a provar-me que a ironia se revela no acaso e que a crueldade convive impassível junto da alegria.

A sua ausência fez com que as dúvidas inconfessáveis da aprendizagem de uma primeira maternidade fossem engolidas à força e deixou-me sem a toca da intimidade que nos reconhece os medos

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