Sociedade

Missionários: quem dá o que tem recebe a dobrar

20 mar 2017 00:00

África é o destino da maioria dos portugueses que se entregam ao trabalho comunitário no estrangeiro.

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Num dia a vida acontece-lhe sem sobressaltos, no outro está em África, a ver a encarnação do caos no corpo de uma criança faminta. Um ano de Guiné-Bissau para a recepcionista de Fátima que quis agarrar o mundo pelos colarinhos. Um ano de trabalho voluntário, mato e pobreza, de sorrisos quentes e calor humano, de noites e dias com a dimensão de um continente. E o desassossego a instalar-se no regresso, porque o choque é maior do que na partida. "Somos preparados para ir e estar, mas não há preparação que nos ajude a chegar cá", explica Tânia Reis, 27 anos, estudante de Educação Social no Politécnico de Leiria.
 
Todos os anos um número relativamente curto de portugueses se dedica a acções de voluntariado missionário em Portugal e no estrangeiro – 860 em 2016, espalhados por oito países. E são menos ainda os que ingressam em projectos de longa duração, ou seja, com estadia superior a seis meses: apenas 36 no ano passado, de acordo com a Fundação Fé e Cooperação, que reúne dados de organizações não-governamentais para o desenvolvimento, associações juvenis, instituições particulares de solidariedade social, congregações religiosas, paróquias, dioceses e grupos informais de jovens e adultos.
 
Tânia Reis, que cresceu ligada à catequese e a redes de partilha e oração nos Jovens Sem Fronteiras, esteve na Guiné-Bissau com os Missionários da Consolata, entre Janeiro e Dezembro de 2015, sempre na zona de Empada, no litoral sul do país. Ia à procura do desconhecido, acabou por se conhecer a si própria, numa espécie de vá para dentro lá fora. "Às vezes é necessário sairmos de nós para nos encontrarmos", sugere durante a entrevista ao Jornal de Leiria. 
 
A vontade de viver "uma experiência espiritual" que ajuda a descobrir toda a espessura da "essência humana" começou a vingar muito cedo, provavelmente durante a adolescência, nas missas de domingo. "Alguns padres que iam celebrar vinham de fora e contavam nas homilias as experiências de missão. Eu achava muita piada, mexia sempre comigo".
 
Fast forward para o centro de nutrição de Empada: controlar o peso de crianças, mulheres grávidas e lactentes, passar informação de saúde e cuidados de higiene, completar a dieta local à base de arroz e peixe com suplementos fornecidos pelo Programa Alimentar Mundial. E o encontro que abre este texto, impossível de rasurar. "Era uma menina com dois anos que pesava cinco quilos, mal conseguia respirar. Nós lidávamos todos os dias com desnutrição, mas não estava preparada para aquele momento".
 
Numa região em que "a grande maioria" dos habitantes "não tem um euro por dia sequer", as raparigas são dadas para casamento e as superstições podem condenar um bebé à morte precoce, Tânia Reis acredita que o segredo está em ir de braços abertos. De coração e mente realmente livres, porque o que se dá é devolvido em dobro, como um boomerang de afectos com pozinhos de magia. Daí o balanço: "A minha ideia é voltar. Em África temos tempos para estar com as pessoas e absorver a realidade. Aqui basicamente só trabalhamos. E se espremermos tudo não sai nenhum sumo".
 
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