Opinião

As microfísicas da vaidade

22 out 2018 00:00

Invocar as microfísicas do poder de Foucault para explicar um contexto familiar de sexualidade é uma opção arriscada.

Tanto que o próprio Foucault  ignorou o problema filosófico da família, à excepção de uma breve referencia no primeiro volume da Historia da Sexualidade, situando a família no local e ambiente onde se desenvolve originalmente o desejo.

Aplicar a lógica do micro-poder que em Portugal é comummente referida como a dos “pequenos poderes” à família é uma leitura irresponsável. Muito do medo, da obediência pela “autoridade” familiar, o famoso ou infame “respeito” encontra-se misturado e impregnado, de emoção e comoção empírica, de amor e ódio. 

A família sente-se, cheira-se, pensa-se, aceita-se ou rejeita-se em termos que envolvem sempre grande complexidade sentimental. Não é à toa que a família está no centro das preocupações da Psicologia moderna e que, na verdade, não falamos de outra coisa a um profissional.

Chegar um segurança ao pé de mim no aeroporto e embirrar com a minha mala, num sentido particular; ou ser apanhado pelo sistema e seus tentáculos, no universal, é bem diferente de ser “obrigado” a beijar avozinhos. Neste tipo de discussão ser académico não significa ser virtuoso.

Enquanto pai “obrigo-me a obrigar” o meu filho a dar um beijo aos avós, coitados, que o amam e nem sequer lhes passa pela cabeça quem é o Foucault; “obrigo-me”, na mesma linha torta da educação, a pará-lo quando ele ia direito a uma ribanceira, exercendo o seu recém-adquirido direito de andar em duas patas.

Sem grandes dramas ou teorias, tento protegê-lo do momento e antecipar o futuro repetindo avisos, elogios, conselhos ou criticas; respeitando a sua personalidade mas “obrigando-o” a pedir ao avô para sair da mesa, depois de comer o almoço que o avô lhe cozinhou.

Os meus pais viveram a ditadura e toda a repressão sexual que vinha com a “tradição” de namoros assistidos e casamentos apressados. Aos 9 anos, a conselho deles, fui à biblioteca Luís de Camões na Brandoa requisitar o livro A Educação Sexual dos 9 aos 12. Foi a maneira que eles arranjaram de me responder, sem comprometer o seu pudor, imposto por anos de conservadorismo. 

Não chegámos a falar de vaginas nem de ejaculações de forma directa, é bem verdade, mas pensar que as famílias o faziam “numa boa”, na altura, é exigir um pouco a quem passou a revolução sexual a fugir à policia dos bons costumes, dentro e fora de casa.

Ignorar que um avô ou uma avó foram também muitas vezes a figura que escolhemos para confessar uma gravidez adolescente, que nos aparou os golpes, nos sustentou os tristes vícios ou simplesmente nos deixou deitar a cabeça no seu colo, até que a dor passasse, mais do que errado é tão triste que não devia ser projectado em público.

É de lamentar termos trocado a verdade pela opinião e o pouco tempo que temos por 15 minutos de fama ou infâmia. Cambiarmos factos por especulações. Usarmos a autoridade cientifica para enaltecer os nossos disparates, alimentando a nossa teimosa presunção em nos sentirmos “especiais”.

Não há fama nem infâmia. Tudo é vaidade.

*músico