Sociedade

Mais uma carta para o futuro.

10 nov 2016 00:00

Mas o que é eu posso fazer para evitar que um populista chanfrado de peruca estouvada se aproveite do descontentamento de um país de comedores de hambúrgueres e refrigerantes para nos pôr a todos em pânico?

Queridos filhos, não sei como vos dizer isto, não há maneira fácil. Portanto aqui vai: o pessoal aqui do meu tempo não está a conseguir deixar o planeta melhor que o encontrámos, nem sequer igual.

Basicamente, estamos a dar cabo disto tudo. É verdade, desculpem. A ciência já descobriu que somos todos iguais no que diz respeito ao ADN, mas ainda não arranjou uma maneira de padronizar nem sequer balizar, pensamentos, maneiras de ver as coisas ou formas de estar. Humanizar os milhões de cérebros que por aqui andam não é humanamente possível. Talvez nem seja correcto, até porque, sempre me ensinaram a respeitar a diferença, mesmo que a diferença seja demasiado diferente. Espero que vocês também o façam porque há valores dos quais não podemos prescindir, sob pena de um dia estarmos a coçar as orelhas com os pés.

Bem sei que devia haver limites, um código de conduta para humanos, que ao ser ultrapassado, o patife que o transgredisse, levasse com um raio congelante desses com que vocês brincavam imaginariamente quando eram pequenos. Mas não há. Por isso, os genocídios prosseguem, o ódio persiste, o aquecimento global está em brasa, há mães que matam filhos, o lucro continua a cegar, as armas a disparar, a corrupção a corromper, há milhares de pessoas com fome, sem casa, sem nada. E, igualmente grave, pessoas que abandonaram para sempre a capacidade de pensar, no futuro, em vocês, no planeta e na nossa igualdade enquanto seres descendentes de um organismo qualquer que veio de um lago pantanoso.

Sei que contavam comigo para ter todas a situações controladas, mas temo que vos tenha desiludido. E se há coisa que me irrita é desiludir-vos. Mas o que é eu posso fazer para evitar que um populista chanfrado de peruca estouvada se aproveite do descontentamento de um país de comedores de hambúrgueres e refrigerantes para nos pôr a todos em pânico? Ou para acalmar um russo cheio de si montado num urso e com vontade de medir a pilinha ao espelho? Ou parar um ditador de bigode no médio oriente? Como dar uns tabefes, a um coreano armado em galifão dos misseis? Como fazer o mundo parar de destruir o planeta com petróleos, vacas, dinheiros, desflorestações?

Como é que é suposto eu conseguir fazer isto tudo e ainda vos dar amor, educação, atenção, brincadeira e conversa, banho, jantar e histórias ao deitar?! Só me ocorre uma maneira! Dando-vos isto tudo e dando isto tudo ao máximo de pessoas possível. Só o amor e a educação nos podem salvar. Bom, agora vou ali despir a minha camisola feita de cânhamo e procurar um lenço de papel para enxaguar as lágrimas.