Opinião

Literatura | O Susto

2 mai 2019 00:00

"No prefácio, A. M. Feijó diz-nos que O Susto – obra que Agustina Bessa-Luís escreveu em 1958 e que foi recentemente reeditada pela Relógio D’Água – é um roman à clef, isto é, um romance sobre pessoas reais tratadas de forma fictícia".

A “chave” deste romance é o poeta Teixeira de Pascoais, conterrâneo de Agustina (Amarante) e que a autora ainda conheceu e, que aparece a coberto da personagem José Maria Midões

O Susto é a biografia romanceada do ascético poeta saudosista Pascoais que influenciou Pessoa (cuja relação com Teixeira de Pascoais é muito bem explorada no romance sob a capa da personagem Álvaro Carmo) e por quem Agustina tinha especial estima.

O romance abarca várias gerações: constróise em torno da(s) família(s) e toda a ação tem por epicentro a vetusta Casa da Obra, «um solar de meia fidalguia que no século XVIII viera cair nas mãos da família Midões» e que se situava «no abrir da aldeia [de Adriços]».

O espaço é uma categoria sempre presente na obra: a casa senhorial no espaço rural de Entre Douro e Minho, embora se parta para Coimbra, onde José Maria, infeliz, estuda Direito; para Lisboa onde o pai, António Midões, um monárquico eminente, incondicional súbdito do Rei D. Carlos, passava dez meses e onde a família se deslocava amiúde, e onde Maria Rita, a irmã mais nova de José Maria se instala quando casa com o riquíssimo Flávio Quintino regressado do Brasil com Esmeralda, a sua cozinheira preta; para Lamego, onde José Maria, infelicíssimo, vai exercer advocacia; mas sempre presente a aldeia cercada de serranias «os montes, as fragas que o vento rompia em dentes que rangiam nas noites de gelada; daquela rama roxa do Marão debaixo do céu delirante…» da qual José Maria sempre sentia a falta.

As personagens, que se movem na órbita dos Midões, desde os irmãos, os pais, os avós, as tias, as criadas, Belina (personagem assustadora e estranha que fora criada lá por casa, a preferida de José Maria e nos braços de quem virá a morrer), as pretensas namoradas de José Maria (das quais sempre desiste dado o seu caráter fraco de anti herói), o velho bruxo Dimas (que José Maria consultou aos sete anos porque a tia Bárbara disse que ele parecia «ter um raminho»), a criada Eusébia, «crendeira e contadora de histórias de aparições e demónios esbraseados» são descritas profundamente através de penetrante análise psicológica: arrastam vidas cheias de cismas , fealdades, falhas de caráter, arreigadas a costumes antigos de que não abrem mão.

Eduardo Lourenço diz que «Agustina é um mundo de memória, enraizado numa memória de tempo mais antigo…» A memória é a pedra de toque de toda a sua obra. Em O Susto a narradora diz «falar duma gente do lugar de Adriços com quem convivi como hóspede da Casa da Obra.» […] «um dia encontrei-me com essas recordações e não as reconheci. […] «Quanto mais o perfil das pessoas e das coisas se afastava de mi, mais se consumava […] «Foi assim […] que me propus escrever sobre o Casa da Obra e o poeta.»

*Professora
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990