Opinião

Legalizar o ilegal

22 fev 2018 00:00

Também a população se tornou mais exigente, com as novas gerações a mostrarem maior sensibilidade para a defesa do ambiente, do espaço público e da nossa identidade.

A definição de interesse público é, em Portugal, muito difícil de entender. Por um lado, legisla-se no sentido de condicionar o apetite voraz do sector imobiliário que, se lhe deixassem, seria capaz de manilhar rios para construir uns prédios ou implodir um qualquer mosteiro para dar espaço a mais uma urbanização.

Essa total ausência de bom-senso cruzada com uma ganância sem limites, bem visível no caos urbanístico e nos crimes ambientais por esse País fora, obrigou a que se criassem mecanismos para proteger o património histórico, a natureza e as zonas agrícolas que se salvaram do tempo em que tudo era possível.

Hoje, apesar de tudo, estamos mais defendidos desses desvarios, com muito património histórico classificado, reservas agrícolas e ecológicas bem delimitadas, parques naturais com regras apertadas, e, inclusive, Planos Directores Municipais (PDM) mais discutidos e sensatos.

Também a população se tornou mais exigente, com as novas gerações a mostrarem maior sensibilidade para a defesa do ambiente, do espaço público e da nossa identidade.

Infelizmente, são ainda muitos os que continuam a medir o desenvolvimento pela quantidade de betão e de cimento, assim como há quem (e são muitos) tudo veja através do filtro dos cifrões.

Para esses, nada mais interessa além do dinheiro, estando disponíveis a tudo atropelar para ter mais e mais, com o interesse público a não passar de um chavão que evocam com a maior demagogia.

Não admira, assim, que surjam ‘interesses públicos’ contrários ao interesse público, que, em muitos casos, mais não são que mecanismos para contornar leis, quebrar regras e conseguir excepções.

É o que tem acontecido com os Projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN), legislação criada em 2005, que para lá da facilitação burocrática e do acesso a fundos comunitários em projectos estruturantes para a economia portuguesa, abriu portas para a utilização de enormes áreas classificadas como reserva ecológica ou agrícola.

Ou seja, em contraponto à legislação criada para defender o ambiente, o património e o ordenamento do território, um passo na direcção dos países mais civilizados, são criadas gavetas na lei onde se colocam situações excepcionais contrárias ao anteriormente definido.

Não espantará ninguém, portanto, que também em Leiria sejam aproveitados mecanismos criados pelo Governo para desbloquear problemas difíceis de resolver à luz da lei existente.

Em alguns casos, são empresas que têm processos de legalização presos por pequenos pormenores burocráticos e que, obviamente, merecem essa atenção.

Outros, no entanto, são empresas que cresceram na ilegalidade e muitas vezes à sua custa, conseguindo benefícios face à concorrência.

Construiram onde não podiam, pagando menos pelos terrenos, aumentaram instalações sem licença, poupando nos projectos, actuaram como se não houvesse leis.

Vir agora atribuir-lhes interesse público para lhes resolver a situação - mesmo que enquadrado na legislação vigente - é subscrever a máxima de que o crime compensa. O facto de entre as 70 empresas a quem foi atribuído esse estatuto nos últimos três anos estarem 50 pecuárias, dispensa qualquer comentário...

*Director