Sociedade

José Dinis: “Ter um diagnóstico de cancro não é igual a tratamento”

30 mar 2017 00:00

O coordenador da Unidade de Investigação Clínica do Instituto Português de Oncologia do Porto considera que os doentes têm o direito a ter acesso a ensaios clínicos

Fotografia: Ricardo Graça

De que forma tem contribuído a Unidade de Investigação Clínica do Porto para o desenvolvimento de novas terapias para o tratamento da oncologia?
Sendo esta uma doença que, muitas vezes, põe em perigo a vida e que suscita grande temor, o aparecimento de um novo tratamento, quando os outros todos já estão ultrapassados, é sempre uma nova esperança. Esta unidade de investigação clínica é super especializada nos ensaios clínicos, entendidos como intervenção. A grande novidade é mudar alguma coisa para ver se tem algum impacto. Não há investigadores profissionais, pois a investigação tem que fluir normalmente na nossa prática médica com os doentes. O Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, fazendo parte da organização europeia de investigação em campo, foi implementando esta prática clínica no hospital. Em 2006, à semelhança do que estava a acontecer nos outros hospitais europeus semelhantes a este, profissionalizámos os ensaios. A maior parte dos estudos são internacionais, o que significa que decorrem aqui e em centenas de hospitais espalhados pelo mundo inteiro, com exigências muito próprias e em que são muitas vezes competitivos.

Quantos ensaios já realizaram?
Já temos mais de 1500 doentes envolvidos. Temos sempre à volta de 150 a 200 doentes novos por ano. Queremos ainda mais, mas os outros hospitais a nível mundial também querem. É um mundo competitivo. Temos que ser bons, temos que recrutar e cumprir com as performances, até porque estes estudos são permanentemente auditados.

O que vos diferencia de outras unidades?
Não estamos aqui para nos diferenciar, mas para melhorar. O nosso objectivo é que mais ensaios venham para Portugal. Não temos mais ensaios por falta de centros competitivos. Podemos ter um hospital que tem dois ou três ensaios, mas isso não chega. É preciso cada hospital comprometer-se com um número e cumpri-lo. Por muito que os médicos queiram, se os conselhos de administração não lhes proporcionarem as condições, não é possível. Além disso, ter acesso a ensaios clínicos é um direito que os doentes têm. Não é só na oncologia, que vale 40% da investigação. Em doenças fatais isto é crítico. Quando dizemos que há um tratamento novo, que é seguro e que esse é o tratamento que se deve fazer, é porque já houve várias fases que o provaram e para isso só há uma maneira: é fazê-lo com doentes. Muitas vezes até com voluntários saudáveis e isto não é isento de riscos. Veja-se o caso da Bial. Foi uma infelicidade, mas pode acontecer. O que queremos é que aconteça poucas vezes. A esmagadora maioria dos ensaios são seguros.

A principal preocupação da investigação é a cura de doenças?
No cancro nunca me ouvirão dizer a palavra cura, porque o cancro faz parte do nosso envelhecimento. Temos uma maquinaria que percebe se a célula que se dividiu é igual à que a precedeu e quando não é tem capacidade para a eliminar. Mas à medida que vamos envelhecendo vamos tendo mais células estragadas. As neoplasias são uma tentativa de as células se adaptarem a uma nova realidade que não queremos. O tumor é um ser que ganha vida, autonomia e tem uma capacidade brutal de se metastizar. É como se fosse um ser estranho que vai tomando conta do nosso corpo. Isso é um processo que vai aumentando à medida que vamos envelhecendo. Claro que há os tumores pediátricos, que são erros inatos que nasceram com as pessoas. O cancro é o jogo da probabilidade. Ter um cancro é como sair o totoloto. Joga-se todas as semanas no totoloto e tem de se ter os seis números. Se houvesse sete sorteios semanais, teria sete vezes mais probabilidade de ter prémio. Agora imagine-se a cada segundo estar a ver essa probabilidade aumentar (que não nos interessa). Ela pode-nos sair e à medida que vamos envelhecendo vamos
jogando mais vezes a sorte.

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