Sociedade

"Estamos perante uma classe governante que é incapaz de ordenar as prioridades de acordo com o bem-comum" - Rob Riemen, filósofo político

15 mai 2014 00:00

"Nas grandes democracias actuais, as pessoas deixaram de pensar e seguem a corrente"

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Jacinto Silva Duro

Nobreza de Espírito é o título em Português do livro que inspirou a exposição 5.ª Essência que está patente no Mosteiro da Batalha. Nele afirma que a nobreza do espírito é a 5.ª essência de um mundo civilizado e que a arte e a cultura são essenciais para a formação de uma sociedade mais moderna e sábia, mas, em tempos de crise económica, como os que Portugal está a viver, cultura, educação e arte não são prioridades. O que podem os cidadãos fazer para alterar o este estado das coisas?
Qu
e tal atreverem-se a pensar? Se pensarem acerca da situação actual, vão perceber que estamos nesta crise financeira actual porque não investimos na educação. A verdade é que esta crise financeira é uma criação do Homem. Baseia-se no facto de os super ricos terem criado uma crise, a partir da ganância e, como era de esperar, a situação explodiu. Tanto a crise financeira como a crise social que resultou dela são coisas feitas pelo Homem. Está tudo ligado ao facto de estarmos perante uma classe governante que tem uma completa falta de responsabilidade e é incapaz de ordenar as prioridades de acordo com o bem-comum. Não consegue perceber que o dinheiro nunca poderá ser um objectivo em si, mas que tem de ser um instrumento e que, para manter uma sociedade a funcionar, é precisa justiça social. O comentário mais inteligente feito acerca de uma crise financeira é de Sócrates, há 2500 anos, quando, no final do seu julgamento, disse ao júri: “quando ides perceber que não interessa o dinheiro, a honra e a reputação? Que o que interessa é uma coisa muito mais importante: viver em verdade, em paz com a nossa própria alma e em nobreza de espírito?” Os governantes precisam perceber que o paradigma económico não é o centro do universo mas que, se investissem nos valores intrínsecos imateriais, jamais teríamos esta crise económica, social e ambiental. Ao colocar a economia em primeiro lugar, mataram a educação e a cultura... e, agora, estão a matar a sociedade.

Em suma, uma sociedade onde a arte, cultura e educação são valorizadas é menos susceptível de entrar em crise?
Tracemos um paralelismo. O historiador australiano Christopher Clark escreveu o livro The Sleepwalkers: How Europe Went to War in 1914 [Os Sonâmbulos: Como a Europa foi para a guerra em 1914]. Passaram 100 anos do início da guerra e esse conflito, para ele, marca o início do fim da Europa como ideia. Refere que, sem uma razão justificável, entrámos na armadilha que foi a Grande Guerra e explica como a classe dirigente não tinha ideias, não pensava e estava apenas focada nos seus próprios interesses. Naquele tempo, toda a gente pensava que, devido ao avanço tecnológico e ao facto de os interesses económicos das várias nações estarem tão interligados, ninguém queria uma guerra ou esperava que um incidente, num canto quase esquecido dos Balcãs, desencadeasse uma “guerra civil”, que se transformou na I Guerra Mundial. Clark não o refere, mas The Sleepwalkers é o título original de um romance do filósofo austríaco Hermann Broch, dos anos 30. O terceiro volume contém um ensaio, em dez partes, intitulado: O Declínio dos Valores. Aí, explica que o niilismo está ligado a esse declínio e a valores absolutos autónomos – por exemplo, para os homens de negócios, a única coisa que importa é fazer dinheiro. Para os militares o que interessa é ter o máximo de armas possível e para o político o que vale são os interesses próprios e os do partido, sem qualquer interesse no resto da comunidade.

Há reflexos disso na educação.
As universidades são agora um monte de especializações e especializações de especializações... as pessoas têm um conhecimento profundo do que se passa num centímetro quadrado e é só isso que conhecem. É aí que actuam, em oposição, as artes e educação. Sem que exista uma consciência cultural, não existe uma consciência moral, pois a cultura é a expressão dos valores, que vão muito além dos do sistema económico. Devemos perguntar-nos: “qual é o sentido da vida?” Qual é o sentido das coisas que faço, da minha profissão, deste Mundo, do que vejo na televisão? São grandes dúvidas para as quais a tecnologia, a economia e a internet não dão resposta. As respostas virão da cultura. E essas respostas são indescritíveis, indizíveis, inexprimíveis... A nossa sociedade capitalista, científica e tecnológica – são estes os três pilares da nossa sociedade ocidental: dinheiro, ciência e tecnologia – está a privar os seres humanos da sua própria dignidade e a substituí-la por gadgets e uma mão-cheia de dinheiro. Estes processos acontecem devagar. Nietzsche previu 200 anos de niilismo, e só se passaram 100 desde o momento em que o disse. Em 1873, frisou que a educação estava focada apenas no bem-estar da economia e do Estado. Somos educados para nos tornarmos consultores e economistas... e quando o dinheiro governa o Mundo, não se preocupa com valores imateriais. Veja-se os media. Só se preocupam em conseguir o máximo de dinheiro possível, de espectadores, leitores... Está tudo virado para o maior denominador comum e esse é o mais baixo de todos: sexo, homicídio, escândalos... As pessoas não querem o verdadeiro conhecimento ou saber o que se passa no Mundo. 

Isso também explica o declínio actual do modelo democrático?
Era o que afirmava Espinosa – obrigado Portugal por o terem expulso para a Holanda, onde foi dos maiores lutadores pela democracia e liberdade, do seu tempo. Se retirarmos a liberdade e independência de pensamento, temos o fim da democracia, que já se suicidou várias vezes na Europa e, entretanto, não me admirava se voltasse a fazê-lo. O filósofo Jacques Barzun, na obra Da Alvorada à Decadência, afirma que a Europa perdeu as “chaves-mestras” da cultura, que já não tem o poder de abrir “novas portas” e que necessita de uma nova Renascença. E uma ideia que outros autores partilham. Nos anos 50, Camus escreveu em L'homme révolté [Revolta]com o qual venceu o Nobel, que “os europeus já nao amam a vida”. Jan Patočka, o mestre de Vaclav Havel, fez exactamente o mesmo comentario no seu livro Platão e EuropaBasicamente, o que todos eles dizem e que a Europa se tornou numa sociedade decadente e podemos ver as consequencias disso todos os dias. Nos anos 60, 70 e início dos 80, do século XX, tinhamos jornais, televisões e rádios excelentes mas, actualmente, praticamente não existe qualidade nesses meios. A gente boa que faz bom trabalho tem de lutar arduamente para que lhes dêem um espacinho nas notícias, porque agora so se pensa em grandes números, grandes audiências. Porquê? Não houve uma grande guerra, nem grandes desastres... Porquê? Como chegámos a isto? Por que razão perdemos as universidades? Temos institutos que se apelidam de “universidades”, mas a qualidade da educação desapareceu. Porquê? Pela mudança nas mentalidades. Já não nos interessamos pelo que realmente faz a diferença. Estamos hipnotizados pela cultura do dinheiro... por uma forma de decadência. Vivemos no culto do kitsch. Precisamos de uma nova Renascença, porque, sem ela, havera consequência para a civilização. Estes assuntos eram considerados elitistas, filosoficos e herméticos mas as pessoas estão a enfrentar as consequências de viver numa sociedade cada vez menos civilizada, onde perdem os empregos, não há trabalho para os jovens, não há dinheiro ou Segurança Social. O próximo passo é o aumento da violência e conflito com pessoas de outras culturas.

Como será a Europa depois das próximas eleições europeias?
Depois das proximas eleições será um desastre. E os responsáveis politícos já o sabem. Uma vasta maioria dos europeus nao irá sequer votar. Os que irão às urnas, votarão nos partidos que são contra a Uniao Europeia (UE). No meu país [Holanda] votarão no partido fascista do senhor Wilders. Em França, nos fascistas de Marine Le Pen... a Hungria já é um regime fascista e haverá ainda a extrema-direita no Reino Unido. Não sou o maior fã da Uniao Europeia, mas tenho a certeza de que se a perdermos, a Europa caminha a passos largos para a sua Terceira Guerra Civil. É um facto! Como é possivel que estejamos a chegar a este ponto? Se a maior parte das pessoas nao vota nas eleições europeias, que legitimidade política e democrática tem Bruxelas? Desapareceu. Na UE, temos as instituições, mas não existem europeus, pois os parceiros europeus nada fizeram para que existisse uma comunidade europeia, com um povo europeu! Uma comunidade dessas, que seria o oposto da Globalização, teria respeito pela variedade de culturas e pela noção de que temos algo em comum. Partilhariamos valores universais e cultura. A identidade europeia seria uma construção cultural e nao apenas económica. Neste momento, nem sequer tem uma dimensão política. A culpa e da classe governante. Publicámos [o Instituto Nexus] em 2003 o ensaio A ideia da Europa, de George Steiner, que foi editado com um prefácio de Durao Barroso – onde o presidente da Comissão Europeia referia a grande importância do que estava escrito naquelas páginas -, que afirma que a ideia da Europa esta intimamente ligada a uma identidade cultural. Mas a verdade e que, durante mais de 50 anos, o governo do meu país disse à população que a Europa é uma coisa fantástica porque é boa para a economia. Só isso! Não falou na educação, na cultura... investiram grandes quantidades de dinheiro na Agricultura e Comércio praticamente nada na cultura. Não estão interessados. Agora, com a economia a correr mal, com pessoas pobres a vir da Roménia, Portugal e Espanha e a ficar com os empregos, querem ver-se livres da UE, porque ela é "má para a economia". Fizeram-nos uma lavagem cerebral, ao longo de décadas, dizendo que isto e apenas um projecto económico. A primeira coisa que os estúpidos imbecis em Bruxelas devem fazer, incluindo o senhor Barroso, é começar a investir massivamente na promoção da cultura e identidade europeias. Os americanos, com todas as suas divisões e origens, conhecem todos a Constituição, têm o Dia da Independência e sabem de onde vêm, mas os europeus não tem uma identidade comum. Enquanto os burocratas estúpidos de Bruxelas pensarem que podem continuar com este tipo de neoliberalismo, onde tentam fazer de tudo para agradar a banca, vao continuar a perder a legitimidade democrática e a afundar-nos numa crise existencial. 

Pensar diferente
Políticos falam em soundbytes

Que análise faz dos políticos actuais?
A classe governante e sempre a expressão da sociedade num determinado momento histórico. Isto significa que, se existe uma crise na nossa sociedad, a origem é a classe governante actual. A classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise e não resolverá nada, porque o seu maior interesse é manter o status quo que lhe dá o poder. Os governantes actuais são relativamente jovens e cresceram num Estado de Segurança Social onde as coisas corriam muito bem. Na sua educação, não têm qualquer noção da História. Não aprenderam Grego ou Latim e são expoentes da “cultura Mackenzie”: o que interessa é resolver as coisas no imediato, lidar com números grandes e ser esperto. É curioso que, se olharmos para a nossa linguagem do dia-a-dia, agora, tudo é “esperto” [smart]. Temos smart technology [tecnologia esperta], smartpower [poder esperto], smartphones [telefones espertos] enquanto a palavra “sabedoria” (wisdom) desapareceu. Jamais ouviremos os politicos a falar de sabedoria! Os politicos falam em soundbytes e conceitos simples. É demasiado simplista colocar a culpa toda na classe politica. Em geral, ela é composta por pessoas bem intencionadas e trabalhadoras. A responsabilidade também cai nos intelectuais que começaram a dizer, nos anos 50 e 60, que a cultura e as artes não eram importantes, que a verdade nao existe, que a beleza e contextual e tudo pode ser um objecto artistico e qualquer um pode ser artista. Foram eles quem começou a espalhar este niilismo estúpido.

Que tipo de trabalho realiza no seu Instituto Nexus?
Fazemos as grandes perguntas. Este ano, em que fazemos 20 anos de existência, vamos promover uma conferência sobre a paz no Mundo, no ano passado debatemos O triunfo da Ciência e o segredo do Homem, já tivémos uma conferência sobre como Mudar o Mundo... na lista estão todas as grandes questões da Humanidade. Não somos um grupinho que prega o seu evangelho, na esperança de que as massas nos sigam. Pelo contrário. Queremos confrontar o público com uma grande variedade de ideias diferentes, para que fiquem conscientes para o facto de que as coisas, normalmente, são mais complicadas do que se pensa, que há outros pontos de vista... e que as pessoas pensem. Que se olhem no espelho, se sujeitem a uma autocrítica, e sejam confrontadas com coisas novas. Deve ser essa a maior qualidade de um ser humano pensante numa sociedade democrática, infelizmente, nas grandes democracias actuais, as pessoas deixaram de pensar e seguem a corrente.

Perfil
Nascido em 1962, o filósofo holandês Rob Riemen é o fundador e presidente do Nexus Institute e da revista política, cultural e filosófica com o mesmo nome. Com uma actuação transnacional, o instituto tem como principais objectivos a promoção do debate e reflexão intelectual, de modo a inspirar o mundo ocidental – e não só – a debater as vias de futuro, os erros actuais e do passado e o bem comum da sociedade. Usa para isso a revista Nexus e as várias conferências que organiza por ano, que têm sempre como tema os grandes assuntos fracturantes da comunidade. O Instituto Nexus olha para o património cultural europeu dentro do contexto social, filosófico e artístico e é largamente reconhecido pela qualidade das suas reflexões sobre questões contemporâneas, transmitidas através das conferências, palestras e encontros com especialistas, que organiza.