Viver

Dar vida e contar as histórias que as pedras guardam

16 jun 2016 00:00

Sabe onde começou o manuelino? Na Batalha. Sabe onde teve o seu apogeu? Na Batalha. Sabe a que horas se levantavam os frades para rezar? Às 3 da manhã. E o que comiam? As visitas encenadas ao mosteiro ensinam isto e muito mais

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Jacinto Silva Duro

Recorda-se de lhe dizerem, na escola, que a janela do Convento de Tomar é um dos maiores exemplos do estilo manuelino em Portugal?

Sabe onde estão os primeiros sinais desse estilo? No mosteiro de Santa Maria Vitória, na Batalha. Até há pouco tempo, os manuais escolares do 5.º ano de escolaridade nem sequer referiam esse facto.

Mas, agora, depois da pressão do mosteiro junto das editoras, já o fazem. “O manuelino nasceu aqui e a sua apoteose são as Capelas Imperfeitas e nem uma linha sobre esse facto”, diz o director do mosteiro.

Joaquim Ruivo adianta que a editora Leya, alertada para esse facto, enviou mesmo uma equipa de filmagem ao monumento e fez um documentário sobre esse período áureo da arquitectura nacional.

Também a Porto Editora e a Texto Editora o fizeram. Enviaram os seus autores para tomar notas e introduzir essa informação nos livros escolares. O esforço para mostrar e dar a conhecer o mosteiro a um público nacional divorciado da sua história e identidade está a dar frutos e, fazendo jus ao célebre ditado popular, são os mais pequeninos quem mais se interessam pelo assunto.

“Eu tinha os meus arcos limpinhos, mas o Mateus Fernandes chegou e fez isto! Tirou-me a luz toda do Sol! Não Gosto”, diz, em tom sarcástico, a personagem Afonso Domingues, interpretada pelo actor e director artístico d’O Nariz Grupo de Teatro, Pedro Oliveira, na visita encenada Eram só pedras quando tudo começou.

“O objectivo é mostrar-lhes o disparate que é dizer mal de uma coisa tão bela”, resume o actor. Neste momento, o Serviço Educativo do Monumento Nacional, que celebra a vitória dos portugueses e ingleses contra os castelhanos e franceses, em 1385, e que faz parte da lista de Património da Humanidade, da UNESCO, desde 1983, conta com duas visitas encenadas e outra em preparação.

Cada uma delas, tem como objectivo dar a conhecer aos mais novos a história do espaço e o seu espaço na História de Portugal. Este ciclo experimental de visitas encenadas vocacionadas para as escolas terminará, no próximo ano lectivo, com uma encenação onde a personagem principal será D. Filipa de Lencastre.

Mosteiro é um desconhecido até para quem vive à sua sombra
O mosteiro da Batalha é um grande desconhecido da população portuguesa, sublinha o director do espaço. A prová-lo está o facto de a maior parte dos visitantes, cerca de 80%, serem estrangeiros. Perante este contexto, as visitas encenadas junto do público escolar ganham importância.

“No Estado Novo, era obrigatório visitar os monumentos, devido à exacerbação da nacionalidade. Era o grande monumento do gótico, manuelino e tinha a Ínclita Geração, mas isso perdeu-se, como se fosse uma reacção a essa obrigatoriedade, e deixou- -se de dar importância a estas questões.

Mas, agora, queremos plantar a semente nas gerações mais novas com estas visitas encenadas.” O responsável refere que o balanço dos dois primeiros anos a dar vida às pedras do mosteiro é “extremamente positivo”.

“Um dos meus primeiro contactos, quando assumi funções, em substituição, em Abril de 2013 foi com O Nariz.” Precisava de um pequeno grupo de actores, que fosse versátil e conseguisse dar resposta a várias solicitações diferentes, pois pretendia remodelar a interacção do Serviço Educativo com o público.

“Sou professor e sentia necessidade de criar menos constrangimentos à vinda de alunos ao espaço. Antes só podiam vir grupos de 25 alunos, até à quarta classe.

Agora, alargámos a resposta a mais anos e temos recebido solicitações de todo o País”, diz, apontando como exemplo o British Heritage, no Reino Unido, onde o Serviço Educativo e a formação de novos públicos são prioritários.

“E devem ser empolgantes, atractivos e interessantes, que atraiam os mais novos. Não podemos estar sempre a usar formalismos chatos. Para isso, existem os colóquios”, enfatiza.

Visitas encenadas experimentais
A visita do Marquês, a primeira a ser apresentada aos alunos, é conduzida por três actores. Um marquês e dois frades dominicanos – a ordem a quem o espaço foi entregue por D. João I.

Os grupos de alunos do 3.º e 4.º ano, do 1.º ciclo, e do 2.º ciclo, começam o percurso no portal principal, passando pelos vários espaços até ao claustro D. Afonso V. Pelo caminho, e ao longo de mais ou menos uma hora, vão aprendendo como era o dia-a-dia dentro daquelas paredes de oração e disciplina rígida.

As refeições extremamente frugais e as orações desde madrugada são alguns dos detalhes que provocam mais curiosidade e perguntas. Aliás, devido à sua dieta e vida espartana, os relatos da época referem que os dominicanos tinham saúde de ferro.

“A visita do Marquês passa informação e conhecimentos sem que os mais novos percebam que estão a aprender. Estão divertidos com o teatro e com aquilo que as personagens dizem.

Ainda há pouco tempo, um professor de História me disse que tinha aprendido algo de novo numa das visitas. Senti que o que estava a fazer valia a pena”, conta o “marquês”, o actor Filipe Eusébio.

As perguntas são poucas, dizem, o que é indicativo de que a encenação atingiu o seu objectivo. “A estrutura do espectáculo está montada para passar, em termos informativos, a informação acerca da comida, da dormida e das orações.

Ficam boquiabertos quando sabem que a primeira oração, as Matinas, acontecia às 3 horas da manhã”, diz, divertido, Pedro Oliveira, envergando o seu hábito de prior do mosteiro.

“Falamos do frio, da comida e da equiparação a universidade que aqui existiu entre 1550 e 1700."

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