Opinião

CULTURA, UNIVER(CIDADE) E (DES)ENVOLVIMENTO – IV

27 set 2016 00:00

A endogamia das universidades, o monoculturalismo e o encerramento em si

Segundo Gonçalo Velho do SNESUP, “As limitações orçamentais e a incerteza sobre o futuro levou as instituições a evitarem o mais possível compromissos duradouros com novas contratações, enveredando pela solução mais flexível”, a contratação de professores convidados para fazerem tanto ou mais que os que estão na carreira docente.

Como nos ensinou Claude Lévi-Strauss (1908-2009), que saiu de Bruxelas para fundar em França a antropologia estruturalista, a exogamia (obrigação de casar fora do grupo. O contrário de endogamia) foi/é responsável pelo desenvolvimento das sociedades uma vez que fomentou/fomenta a troca (teoria da aliança) de parentes (Família/parentesco), de bens e recursos (economia) e palavras (comunicação).


A (Univer)cidade, a cidade e a universidade tem de representar a diversidade sociocultural na sua unidade. Tem de ser cosmopolita e tem de praticar também a exogamia quando contrata docentes e investigadores. Estes têm também de vir de fora, das organizações, das empresas, de outras regiões, de outras (univer)cidades, do estrangeiro, de outras cidades…

A exogamia é fundamental. De contrário, reproduz-se uma cultura muito encerrada em si, etnocêntrica, monista e pouco dialogante e cruzada com outras. E é por isso que os atuais concursos para se ser docente numa (Univer)Cidade ou num Politécnico são, nos editais do Diário da República, não só, públicos, como, também, internacionais.

E o que sucede de facto? Os estudos sobre esta matéria mostram grandes índices de endogamia. Parece que as instituições de ensino superior tudo fazem para que a abertura internacional de concursos seja um faz de conta e se garanta a reprodução social da instituição. Quer dizer, que se garanta a continuação intocável dos seus valores, ideias e preferências.

Na sua maioria, os assistentes e professores auxiliares que entraram por concurso público nas universidades foram produzidos pela própria universidade para onde concorrem e ganham o lugar. Cada Universidade parece proteger os seus.

Já no Politécnico, esta endogamia não é tão visível, pelo menos em termos científicos, uma vez que estas instituições têm de contratar doutores e eles não podem ser produzidos dentro da instituição porque os cursos de doutoramento lhe estão vedados por lei. Logo, cientificamente, vêm de fora. Ainda assim, alguns desses doutores já tinham passado, no seu percurso académico, por um politécnico. E ainda bem, para que a exogamia não se exerça, também, a 100%. Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Segundo o jornal O Público, de 24 de setembro de 2016, as “Universidades continuam a contratar mais os professores que elas próprias formaram”. Segundo um estudo incluído no relatório Estado da Educação, “A investigação conclui que 67,2% dos professores doutorados que trabalham nas universidades foram formados na própria instituição de ensino onde trabalham.

São 2508 dos 3734 professores do ensino superior. Estes níveis de endogamia são considerados “preocupantes” pelos autores do estudo, Orlanda Tavares e Cristina Sin, investigadoras no Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior, e Vasco Lança, técnico superior na Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).

Para o presidente da CNE, David Justino, esta prática representa ”expressão de uma cultura tradicional universitária que tende a reproduzir os mecanismos de poder e dependência académica em que os insiders têm sempre vantagem sobre os outsiders, os discípulos sobre os estranhos, pondo em causa os princípios de equidade e de mérito no acesso às carreiras”.

"É MELHOR MERECER AS HONRAS SEM RECEBÊ-LAS DO QUE RECEBÊ-LAS SEM MERECÊ-LAS." (Mark Twain)

*Professor Decano do Instituto Politécnico de Leiria
Professor Coordenador Principal ESECS-IPLeira e CICS.NOVA.IPLeiria