Opinião

A casa do sofá verde

29 mar 2018 00:00

Ele tem Alzheimer, ela cancro e demência. Sorriem-me ainda os dois à chegada assim que empurro a pesada porta de entrada.

A pele é macilenta e tem uma magreza enferma que lhe confere uma improvável elegância clássica. Junto à linha limite da testa desponta uma fina auréola de cabelos brancos que insiste em resistir ao tratamento semanal que lhe devasta as veias e que atravessa a malha da peruca como uma erva selvagem que não sucumbe à primeira roça.

Veste-se irrepreensivelmente e senta-se ao lado dele todos os dias junto à vitrina que dá para o lago do jardim. Do lado oposto - a porta. Monitorizam os dois a entrada e a saída de quem chega e abandona a casa. Falam muito durante o dia.

Comentam a refeição que acabaram de fazer e a que se sucederá dali a umas horas e recordam uma família comum que dizem ter tido quando se conheceram os dois durante a infância em Benguela.Ignoram já o real ritmo do calendário, mas reconhecem ainda a diferença entre o dia e a noite.

Ele tem Alzheimer, ela cancro e demência. Sorriem-me ainda os dois à chegada assim que empurro a pesada porta de entrada. Há dias em que sou filha dele, outros em que sou irmã ou até uma prima afastada dos dois e já faço parte da família comum que dizem ter tid

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