Sociedade

André Barros: “Portugal não é só xailes pretos, saudade e futebol”

21 jul 2016 00:00

Músico natural da Marinha Grande acredita que devemos usar o facto de Portugal estar “na moda” para dar a conhecer os criativos nacionais, juntando a promoção no estrangeiro com o seu trabalho

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Jacinto Silva Duro

No seu próximo CD, há alguns temas cantados por Myrra Rós. Porque escolheu esta artista islandesa em específico?
Neste álbum, quis experimentar coisas diferentes e optei por ter voz, pela primeira vez. Já tinha tido uma colaboração com uma cantora portuguesa, a Catarina Ortiz Dias, mas foi uma coisa pontual para apenas um tema e para actuações ao vivo. Agora, quis ter temas editados com voz e escolhi a Myrra, que conheci em 2012, quando estive a fazer um estágio no Sundlaugin Studio, na Islândia, o tal que os Sigur Rós construíram numa piscina abandonada. Vi alguns dos concertos dela e ela deu-me um CD, o primeiro dela. Eu queria criar algo diferente, que não fosse apenas uma música cantada que valesse pela letra, mas mais do que isso, que fosse algo que, mesmo cantado em islandês, as pessoas pudessem encarar a voz dela como um instrumento. Fascina-me o sussurrar que a voz e a língua islandesas têm. Ela faz muitos backvocals para vários projectos, como a Sóley... que é muito conhecida internacionalmente.

O sobrenome Rós tem alguma coisa a ver com os Sigur Rós?
Não. A Myrra é muito conhecida na Islândia e costuma fazer digressões no norte da Europa - Alemanha, Dinamarca... mas é pouco conhecida no sul, e em especial em Portugal. No entanto, ela tem uma ligação com eles, através do marido, que acompanhou a banda nos seus anos mais "altos" antes de o Kjartan Sveinsson, ter saído em 2013 - os anos em que ele esteve na banda foram os melhores. Era o marido da Myrra que montava os equipamentos, arranjava os amplificadores e os harmónimos que ele constrói em casa.

O álbum tem algum fio condutor ou aquilo a que chama de "inspiração"?
Não tem, tenho de ser sincero. Normalmente, na pré-produção, pensa- -se numa narrativa, através da qual se possa fazer emergir as melodias e que as coisas funcionem todas como um todo. O álbum é muito ecléctico, precisamente porque não tive essa narrativa inicial, que se costuma ter na pré-produção... Ainda hoje, me estou a debater com a capa e até com o nome do álbum. A pré-produção foi pensar onde ia e com quem ia gravar e não descobrir uma narrativa para o álbum. Tenho três colaborações, além da Myrra Rós, que criou a melodia e letra para os instrumentais que eu compus. As letras falam de espaço, distância, viagem, nostalgia, experiências pessoais. Depois, tenho um tema para piano a quatro mãos, que compus com o Tiago Ferreira, dos Bússola - que é um pianista incrível, e uma colaboração com o Rodrigo Leão, onde eu criei, ao piano, a base e ele fez os arranjos. A bateria foi gravada pelo Zé Carlos, que criou a linha da bateria para os três temas com voz. Os instrumentais foram gravados no Atlântico Blue Studios, em Paço de Arcos, e no Vale do Lobos, que é o estúdio do Rui Veloso. Só falta mais um dia de misturas, para ficar tudo pronto à excepção de um tema, que será gravado com o Rodrigo Leão. Só depois terei tudo pronto para fazer a masterização total do álbum.

Recentemente, fez a primeira parte de um espectáculo de Rodrigo Leão, no Parque de Palmela.
Desde que tenho contrato com a Uguru, que faz o meu agenciamento e que também faz o do Rodrigo Leão, temos tentado que eu consiga chegar também a este público que é um bocado transversal e o público do Rodrigo gosta do meu trabalho. Esta colaboração começou com os concertos nos coliseus, de Lisboa e Porto, quando toquei, nas primeiras partes, para oito ou nove mil pessoas e ele tocou com a Orquestra e Coro Gulbenkian. A ideia é abrir mais concertos para ele.

Porquê a paixão pela Islândia? Fez lá o estágio, masterizou o primeiro disco, gravou um tema com Valter Hugo Mãe, que também é apaixonado e escreve sobre a ilha e agora a Myrra Rós.
Tudo começou quando fiz um curso de Produção e Criação Musical, na ETIC, em 2010-2012. Admirava a música islandesa, em particular os Sigur Rós e foi isso que me levou a ir para o a estúdio Sundlaugin, no Verão de 2012. A partir daí, desde que voltei e tive contacto com o Hugo Ferreira, da Omnichord Records, e masterizei lá o meu primeiro disco, o Circustances, começou-se a desenhar este imaginário. Sempre tive um grande fascínio pelas pessoas, pelo país, pela cultura, pelas auroras boreais, pelo Sigur Rós e pelo Ólafur Arnalds. A parte mais importante do seu trabalho está ligado à composição de bandas sonoras.

O que o fez abraçar essa área? Foram influências do seu irmão, o cineasta Carlos M. Barros, que dirige a produtora Lua Filmes?
Eu e ele sempre gostámos muito de cinema e gozamos de uma estreita cumplicidade. Apreciamos o mesmo género de películas e bandas sonoras, ainda antes de eu saber que me iria interessar por piano. Se calhar, o fascínio começou aí. Na Marinha Grande, íamos ao Parente alugar duas a três cassetes VHS por dia. Isto também tem muito a ver com o género que música que comecei a ouvir. Antigamente, ouvia muito os Smashing Pumpkins, que nada tinham a ver com a minha música de agora, mas que eram super melódicos. Quando o meu irmão começou a inserir algumas das minhas músicas nos seus filmes, percebi que, realmente, aquilo podia funcionar. No fundo, é isso que me serve como pé-de-meia.

Ter recebido o prémio de melhor banda sonora no Los Angeles Independent Film Festival Awards pelo filme Our Father, de Linda Palmer, abriu-lhe portas?
O trabalho continua a ser o mesmo, pois todos os contactos partem de mim… sou um empreendedor... Vou colaborar novamente com a Linda Palmer. Noto que os cineastas voltam a pedir-me para colaborar com eles, quando sentem que o trabalho e o estilo se enquadram. Não sei se me abriu portas, mas ajudou em termos de promoção e ter um prémio é sempre bom, mas se fossem prémios maiores abririam portas... se fosse um Emmy ou um BAFTA...

O que trouxe da sua experiência no Sundlaugin Studio, no seguimento do contacto inicial do estágio?
Antes de falar disso, convém dizer que dois anos antes tinha acabado o curso de Direito e que antes de ter feito o curso no ETIC nunca tinha trabalhado com música. Sou um autodidacta. Só tinha começado a tocar piano no último ano do curso de Direito. Ainda hoje, não sei ler ou escrever música em pautas. Mas é isso que é gratificante e uma exploração contínua. Por exemplo, hoje, estive a trabalhar na banda sonora de uma série... e sempre que me sento ao piano, crio a partir do nada. Faço imensos erros em busca de algo que me soe bem. Nunca raciocino a música, é um dos maiores privilégios que tenho. Não tenho de pensar em acordes, não tenho de pensar em escalas, nada... Voltando ao estágio, tinha aprendido a usar softwares de edição e aprendido produção e estava ansioso por experimentar. Aprendi a melhorar as técnicas de captação, a perceber como tirar proveito de determinados instrumentos, como captar melhor a voz ou as cordas. Isso agora nota-se no meu trabalho em estúdio, se bem que colaboro sempre com o Jorge Barata, que foi meu professor. Além de tudo isso, o contacto com os músicos islandeses também foi muito importante.

Nas cidades fora de Lisboa e Porto, o que falta são boas bandas com bom som ou boas editoras e promotoras?
Em Leiria, as coisas parece que apenas se agitaram com o aparecimento da Omnichord Records, de Hugo Ferreira, embora já houvesse algumas boas bandas. O que pode fazer a diferença, não é propriamente ser-se um bom músico e executante, mas sermos bons executantes na música que criamos. Pelo País, há óptimos executantes. O que falta muitas vezes, é alguém que tenha contactos, crie sinergias e que se mexa para promover as bandas e a música. Mas é difícil manter essa promoção durante muito tempo, porque é muito dispendiosa. Em termos de projectos, todo o potencial está lá, só falta capital para o levar ao maior número de pessoas.

Nem sequer há a desculpa de Portugal ser um país "pequeno", porque a Islândia é muito mais pequena e não depende do seu mercado interno.
Isso é verdade. Eles conseguem exportar as coisas muito mais facilmente. Muitas vezes, as bandas começam por ser mais conhecidas no estrangeiro do que dentro do país. Já me aconteceu falar dos Sigur Rós a islandeses e eles dizerem que se lembram vagamente da banda. É incrível! Eles são apenas cerca de 320 mil habitantes. Mas a Omnichord fez um trabalho incrível em Leiria. O Hugo é incansável, não sei como ele tem tanta energia e agarra cada vez mais projectos.

O que prevê que vai acontecer à “música de Leiria” depois do boom inicial das bandas actuais?
Espero que possam continuar a seguir o seu caminho... quem sabe para a internacionalização. Alguns projectos da Omnichord já começaram a tocar lá fora e se isso está a acontecer é porque há evolução. O desejo é sempre esse, só com a internacionalização se consegue maximizar os ganhos e as audiências. Isto é importante até para a concretização pessoal e para os músicos não pensarem que estão a estagnar...

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