Opinião

Vira o disco e toca o mesmo

12 abr 2018 00:00

A marca Óbidos ganhou peso e estes eventos tornaram-se indissociáveis da vila, com capacidade para captar o interesse de visitantes durante todo o ano.

Nesta edição, abordamos a explosão de eventos, similares entre si, que acontecem um pouco por todos os concelhos da região. As autarquias replicam os eventos que tiveram êxito nos municípios vizinhos, entre festivais medievais, de música, de leitura, vias sacras e aldeias e ringues de gelo no Natal. Mas serão eles uma mais-valia para o território?

Óbidos, 2001, Telmo Faria, recém-eleito presidente da autarquia, desenha um plano estratégico de desenvolvimento para a vila, com vários eventos originais, entre eles o Mercado Medieval, o Festival Internacional do Chocolate e a Vila Natal.

A marca Óbidos ganhou peso e estes eventos tornaram-se indissociáveis da vila, com capacidade para captar o interesse de visitantes durante todo o ano. Porquê? Porque eram únicos e, efectivamente, interessavam ao público.

As escolhas foram feitas a partir do trabalho de um thinktank de marketing territorial. Mas o sucesso foi cobiçado por outros municípios que copiaram alguns dos eventos, embora sempre sem grande sucesso. Foquemos a nossa atenção à capital do distrito, que pretende candidatar-se a Capital Europeia da Cultura.

Em Leiria, entre os momentos altos da programação anual, encontramos o Leiria Medieval e o Leiria há 100 anos. O primeiro continua a sofrer de algumas maleitas de réplica de outros eventos semelhantes, esquecendo questões marcantes da identidade e história locais.

A saber, porque salta aos olhos: embora Leiria tenha tido uma diminuta comunidade muçulmana, não consta que houvesse odaliscas a fazer dança no ventre, duelos de cavaleiros e outras cenas saídas de filmes de Hollywood.

Além disso, e porque é uma aposta forte do município, a comunidade judaica foi das mais importantes para a criação da cidade, mas, a companhia que faz a encenação ignora esse “pormaior” da identidade da cidade.

Tal como se ignora há muito, o facto de Leiria ter albergado o primeiro protoparlamento nacional, na decrépita Igreja de São Pedro, aquando das Cortes de 1254. O mesmo não fazem os ingleses, orgulhosos da sua Magna Charta, de 1215, documento que os coloca na vanguarda do parlamentarismo mundial.

Ou seja, um dos factos que torna Leiria única em Portugal, e que é potenciador de visitas, é tratado como se fosse desconhecido do grupo de pessoas que, certamente, pensa o marketing territorial do município, num momento em que os turistas estrangeiros se afastam de Lisboa e Porto, procurando descobrir o resto do País.

Entre os bons exemplos, encontramos o Leiria há 100 anos. Conseguiu reunir os ranchos, guardiões da memória colectiva, num evento que conta episódios da história da cidade, elevando-o a muito mais do que um encontro de folclore.

E se atentarmos à chamada “cultura alternativa”, que mais não é do que a concretização de programas culturais para pessoas que procuram algo que fuja à cópia, identificamos o mais original dos eventos que acontece no distrito.

O Entremuralhas é único na Europa e, talvez, no Mundo. O mesmo se passa com o Música em Leiria, o Clap Your Hands Say F3st! ou o Leiria Dancefloor, que pretende atrair a comunidade luso-descendente através da dança, embora, nesse caso, a ligação com a comunidade local esteja mal explorada.

Claro que replicar eventos direccionados para uma franja grande de população que tem gostos mais terra-a-terra é positivo para o poder político local. Mas, quando se analisa esta actuação em termos de futuro, rapidamente se percebe que os visitantes de fora, aqueles que permitem aumentar a riqueza do território, não querem saber de festivais do porco, eventos de vira-o-disco-e-toca-o-mesmo ou de estádios cheios de artistas de qualidade discutível.

A solução? É óbvia e cansa estar sempre a repeti-la: identificar o ADN único de cada região e potenciá-lo a nível nacional e internacional.