Opinião

Turbulências da parentalidade

18 nov 2022 09:10

Pior que ter os pais separados é ser cúmplice de um relacionamento insatisfatório e disfuncional

É urgente o amor, é urgente permanecer. É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras (…)

Em 1951, Eugénio de Andrade publicava estas palavras. Naturalmente, como qualquer pessoa que tem no coração a ignição da vida, compreendia a verdadeira essência de estarmos cá. Já vos disse e volto a dizer que é essa a minha crença, que é o amor que alimenta. Não pestanejo perante essa certeza, mas sei que nem sempre e nem todo o amor bate certo. Nem sempre dois corações caminham serenos e enamorados pela vida fora.

Não sou terapeuta familiar nem reguladora de poderes parentais, mas de vez em quando questionam-me acerca dos efeitos que um divórcio/separação tem nas crianças e qual a melhor abordagem para comunicar a decisão dos pais aos filhos. Não há receitas, como devem calcular. Dependerá de um sem número de fatores, entre eles, por exemplo, a idade das crianças, mas há que relembrar que o término de uma relação conjugal não põe fim à relação parental. Um amor acaba, é certo, mas o outro, espero eu, manter-se-á inabalável.

No entanto, mesmo que assumido de forma consensual e pacífica, um divórcio/separação pode configurar-se como uma experiência muito stressante e dolorosa. O fim de uma relação mexe com tudo. Mexe na rotina, nas responsabilidades, nas relações e até na própria identidade. Todos os instantes passam a ser diferentes e comparáveis com outrora. Há lugar a sentimentos intensos (dor, culpa, ansiedade, arrependimento, raiva, medo, tristeza, alívio…), a perdas e a vazios e se houver filhos o stress intensifica-se, não só pelo receio do impacto da separação nas crianças, mas porque os filhos serão um elo de ligação vitalício entre duas pessoas que já não se querem. Bem sei que, 80 a 85% dos adultos, superam o divórcio de forma saudável e positiva, mas serão os pais capazes de conter, no meio de toda a vulnerabilidade associada à falência de um projeto pessoal, emoções que dilaceram por dentro?

Facilmente se entende que um divórcio/separação também traz inquietude às crianças. A estrutura de referência, de segurança e de previsibilidade desmorona-se. O que sempre fora deixou de ser. É expectável que também elas sintam zanga, tristeza, frustração e culpa e que nelas impere um conflito de lealdade, mas essencialmente é expectável que tenham medo da mudança. Todos temos. No entanto, os casais não devem ficar juntos pelos filhos. A literatura diz-nos que, na maior parte das vezes, o impacto de um divórcio não perdura no tempo e que no espaço de um ou dois anos as crianças se adaptam de forma saudável às mudanças, sendo os seus níveis de bem-estar semelhantes aos de crianças cujos pais não estão divorciados. Para além disso, a investigação mostra também que pior que ter os pais separados é ser cúmplice de um relacionamento insatisfatório e disfuncional. Viver num ambiente de tensão permanente traz mais consequências para a criança do que viver num clima de autenticidade, isento de conflitos.

Então, como comunicar às crianças que os pais não vão mais estar juntos? E que as férias serão diferentes, os Natais divididos e as camas duplicadas?

- Fazê-lo em família, ou seja, com ambos os progenitores presentes, de modo a transmitir que a decisão é dos dois e que, apesar de separados, estarão unidos no que aos filhos diz respeito. Assim, não existirão duas versões da história.

- Conversar com as crianças o mais cedo possível para evitar preocupações desnecessárias. As crianças não estão alheias aos conflitos e vão-se apercebendo das mudanças.

- Escolher o momento adequado, isto é, aquele em que há a certeza da decisão tomada. Escolher também uma altura do dia tranquila e sem pressas. É fundamental que as crianças tenham tempo para processar a informação e que haja espaço para falar no assunto. Os pais devem estar disponíveis e esperar qualquer reação da criança.

- Dar informações simples e verdadeiras. Não importam as razões que puseram fim à relação. Importa antes que as crianças percebam quando e como vai ser.

- Desresponsabilizar as crianças pela separação e explicar que ninguém vai assumir as funções do pai ou da mãe.

- Reforçar o amor incondicional dos pais pelas crianças.

-  Reconhecer as mudanças que vão ocorrer e que todas as situações serão apoiadas pelos pais.

- Comunicar com emocionalidade tranquila. É importante transmitir calma, compreensão e segurança e mesmo não sabendo responder a todas as dúvidas da criança, garantir sempre que não estará sozinha.

- Respeitar sempre o outro progenitor.

- Estar disponível para conversar uma e outra vez sobre o assunto.

Na ruptura é preciso arranjar uma nova estabilidade. Contudo, manter as rotinas, as regras e expetativas habituais face ao comportamento da criança é essencial. É o conflito entre os pais que aumenta o risco de problemas de saúde psicológica nas crianças, daí que comunicar de forma consistente com as crianças, envolvê-la nos processos de decisão, proporcionar momentos de proximidade física e manter uma relação saudável com o ex-parceiro são premissas fundamentais. Flexibilidade e comunicação, sempre.