Opinião

Termas Salgadas

4 fev 2016 00:00

Uma povoação contígua das Salgadas chama-se Cela; também da mesma língua, foi ‘selá’ que significa «banhos».

Já referi neste jornal que a toponímia (nomes dos sítios e artérias) constitui um elemento importante do Património Cultural Imaterial. O sistema de nomeação revela a história do uso do sítio e reflecte os valores das comunidades. Também sugiro que não se deve mudar o topónimo seja por que motivo fôr, nomeadamente por se desconhecer o seu significado.

Só a partir do séc. XIX se passou a dar às ruas e praças nomes de heróis ou de personalidades. Por exemplo, a praça lisboeta do Rossio, no séc. XIX, passou a chamar-se «Praça D. Pedro IV» (mas continua a ser conhecida por Rossio) e Terreiro do Paço passou a Praça do Comércio, continuando também a ser referida pelo antigo nome.

Os nomes dos lugares, ruas e caminhos eram objectivos e funcionais: significavam o que lá existia ou se fazia (Terreiro do Paço, Rua do Forno, Caminho da Fonte, Alto dos Moinhos, Rua Direita (isto é, «directa», que ia dum lado ao outro da povoação e que pode ser tortuosa). Eram as referências da vivência local, como hoje nomeamos as partes da casa como sala, quarto, cozinha...

Os nomes tiveram significado; ninguém nomeava um sítio com uma palavra incompreendida nem devemos pressupor que ele derive do uso defeituoso da língua portuguesa. Os topónimos são estáveis (como os nomes das pessoas) porque são a sua «identidade»; se os mudarem, corre-se o risco de se perder a orientação e localização. Os topónimos podem datar da primeira ocupação humana dos sítios, de há milhares de anos. O problema (ou a paixão) é descobrir o que eles significaram e em que língua.

Vou referir um sítio da freguesia da Batalha conhecido por Salgadas, na estrada que leva a Porto de Mós, onde existem nascentes de água salgada já referidas em documentos antigos e onde, até recentemente, existiram umas termas. O anterior presidente da câmara, António Lucas, conseguiu meios para a restauração das termas e transformá-las em turismo de estadia. O nome destas termas já foi Sentas (ou As Sentas), que é o nome duma povoação vizinha. Na lingua dos lusitanos (que foi a dos fenícios e cartagineses), ‘ea sent’ [leitura: ea senta] significou «água mineral». Uma povoação contígua das Salgadas chama-se Cela; também da mesma língua, foi ‘selá’ que significa «banhos». Portanto, o nome antigo das Termas Salgadas tanto foi Sentas como Cela. Nas épocas antigas em que não havia registos, um mesmo sítio podia ser conhecido por vários nomes concordantes que ficaram contíguos. Em Rio Maior, mesmo junto às salinas, há outra Senta e, em Óbidos, há o Outeiro da Assenta onde tambem existiu uma fonte salgada. Quanto a Cela, temos outra em Alcobaça, Cela-a-Velha, onde, outrora, chegava o mar; também foi um sítio de vilegiatura, neste caso, marítima.

É um erro proceder a uma mudança administrativa do topónimo. O sítio das termas Salgadas, sendo conhecido por «As Salgadas», parece ter mudado de nome porque vemos no exacto local uma placa viária que diz «Quinta do Pinheiro». Ora, a placa devia dizer «Salgadas», ponto final. Disseram-me (não perguntei às autoridades) que, tendo o edifício das Termas Salgadas servido de anexo psquiátrico do Hospital de Leiria durante a guerra colonial, mudou-se o nome do sítio porque «Salgadas» ficou conotado com «sítio de loucos»; mas só pode ser uma anedota; é como se alguém conotasse os moradores das ruas Miguel Bombarda como «clientes dum psiquiatra».

*sociólogo