Opinião

Os palcos permanentes na festivalização do património

21 abr 2021 20:00

O corretor do Word não me reconhece o termo "festivalização". No entanto, ele existe e é debatido há muito

Por agora em suspenso, mas vejam os exemplos dos festivais gastronómicos.

São eventos populares, com música, e que também podem ser históricos como as feiras medievais.

A Cultura festivalizou-se, como nas livrarias onde também se pode beber um vinho ou provar um petisco. Todas as formas de potencializar um negócio, um património, um modo de vida saudável e sustentável, são de salutar.

Até os festivais de música festivalizaram-se a si próprios, com ativações de marca pelo recinto, apelos à utilização dos transportes públicos ou zonas VIP onde se faz networking.

Esta coisa de querer deixar obra feita sempre foi algo de faraónico de alguns atores políticos. Mas o legado pode ter outras funções mais construtivas do que meras representações materiais.

Em cima da mesa, deveriam pesar fatores como a articulação entre construção cultural e marketing do território, património histórico vs. mercado-para-as-redes-sociais. Isto traz à discussão noções de construção material/imaterial e processos de regulação.

Além disso, o ambiente espetacularizado e efémero – sobretudo efémero - que é gerado, pode entrar em conflito com os projetos de regeneração, restauro, requalificação do património. Um espaço ao abandono pode ser recuperado? Deve. Que políticas públicas se desenham para esse espaço? Pairam dúvidas.

A alegada ideia romântica de ruína - que é injusta – ou o argumento válido da inclusão e acessibilidade não deviam servir de pretexto só para fazer bonitinho.

E a pretensão de centralizar agendas culturais num só sítio também é errada. Nunca se democratizou nada, concentrando. Antes pelo contrário, democratiza-se disseminando.

Sem o peso de não estar a intervir num património mundial, o significado sociopolítico de muitas pequenas e médias cidades contemporâneas devia ser olhado sem ser um expediente que atende a realidades e práticas de comportamentos individuais e arranjos pontuais avulsos.

Assim, à boleia do entretenimento e de orçamentos culturais a quem se portar melhor, a festivalização do património deveria ser pensada.

A preservação é sempre bem-vinda, mas pensar a cidade também é questionar o seu aparato errante. É preciso pensar num tempo a prazo e no tal legado como um aliado de uma construção social.

Em termos artísticos, há muitos anos que a arte de desconversar das edilidades locais superou todas as outras.

Em Leiria, o percurso Polis desvia-se da sua matriz e a Igreja da Pena está bonita, mas não é esse o ponto. 

Depois disto, se quiserem meter uma marquise debaixo do telhado, na fachada do castelo, por causa das correntes de ar… só se estraga uma casa. 

Artigo escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990