Opinião

Música | Na companhia de Otto Totland

30 nov 2021 17:09

Companion revela-se isso mesmo, uma bonita companhia para quem a quiser ter, daquelas que dão espaço para a benevolência e contemplação

A inspiração para a partilha de hoje vem da belíssima Noruega - aquele país escandinavo que nos lembra sempre os imponentes fiordes -, pelas mãos de Otto Andreas Totland. Curiosamente, o disco Companion chegou até mim pela simples curiosidade de ter sido gravado por Antonio Pulli em Berlim, no já histórico estúdio Funkhaus (Saal3), o estúdio do alemão Nils Frahm, naquele complexo enorme de salas de captação.

Totland tem um percurso algo curioso, partindo de um inicial fascínio pelo mundo da produção musical com recurso aos computadores para se desencantar pela aparente ineptidão destes em acompanhar o seu crescente deslumbre pela complexidade singular daquilo que é o acústico, e o instrumento propriamente manuseado.

Bebendo inspiração do universo folk norueguês, dos compositores do período do romantismo e de uma certa fase inicial do jazz escandinavo (ou nórdico), Totland - nascido em 1979 - parece ter descoberto algum autenticidade na sua voz musical, impregnando-a de uma certo pendor meditativo e claramente minimal.

Com Companion, o autor completa assim uma trilogia de álbuns (os dois primeiros também eles registados no estúdio de Nils Frahm, no Durton studio) que compreendem peças soltas para piano a solo, um documento dito muito pessoal e autêntico para o músico, que se estende por sete anos com o seu início em Pinô (2014), passando ainda por The lost (2017). Peças frágeis e encantadoras, bem ao estilo de um Ludovico Einaudi ou um Yann Tiersen ao piano mas com a nebulosidade do ambiente sonoro de um Ólafur ou de Nils. Uma sonoridade que sempre nos afasta e, assim, salva da cacofonia do dia-a-dia, deixando-nos a sós connosco a par da sensibilidade pungente deste compositor.

A edição desta trilogia esteve a cargo da Sonic Pieces (Berlim), edições limitadas e criadas à mão, numa tentativa – diz o autor - de salvaguardar artisticamente as premissas de humanidade, colaboração e engenho criativos na génese de uma obra que se quer também corpórea e não apenas virtual.

Percorrendo o álbum, há uma sensação de repetição na construção destes temas, e é um facto que nós – sociedade – parecemos prezar a sensação de revisitação, navegamos em função de datas que se repetem e vivemos efusivamente uma série de longínquas tradições e efemérides datadas, talvez seja por isso tão fácil sonhar acordados quando escutamos os compositores ligados a esta corrente, pois é fácil desprender quando confiamos e reconhecemos, e desprender permite-nos uma saudável introspecção e alguma paz interior.

Companion revela-se isso mesmo, uma bonita companhia para quem a quiser ter, daquelas que dão espaço para a benevolência e contemplação.