Opinião

Música | Concerto livre (de telemóveis)

8 jun 2023 13:00

Dylan e a sua banda deram um concerto absolutamente memorável, sem sombra de dúvidas um dos melhores a que alguma vez tive oportunidade de assistir

Há uns meses anunciava-se o regresso de Bob Dylan aos palcos portugueses e mencionava-se o detalhe que seriam phone free shows, mas ninguém sabia muito bem como iria funcionar e como se poderia prevenir ou impedir quem quer que fosse assistir de usar o seu telemóvel.

Acorri no passado fim de semana à sua primeira data no Campo Pequeno em Lisboa e, ciente do que se pedia, assim que estacionei o carro, desliguei deliberada e conscientemente o telemóvel, deixei-o arrumado no porta luvas e saí.

Dei por mim a sentir algo que não me lembrava de sentir há anos, quiçá há décadas, estava ali para um concerto, livre, para observar, para sentir, sem preocupações do que quer que seja, nem que fosse por umas breves horas.

Chegados à entrada, e num processo muito rápido, os assistentes ofereciam uns pequenos sacos de tecido e convidavam todas as pessoas a desligar o seu telemóvel e a colocá-lo lá dentro e, depois dos sacos fechados, todos os espectadores entravam no recinto com o pequeno saco de tecido na mão (ou na carteira).

À saída, em breves segundos, cada um passa o saco numa máquina que imediatamente desmagnetiza a abertura e lhe permite tirar o telemóvel e devolver o saco.

Cinco a dez segundos à entrada e à saída.

Uma plateia de milhares com os olhos focados no que interessa. No palco. Também ele sem qualquer ecrã.

Sem fotos nem stories, sem posts nem mensagens, num concerto que estimulou todos os sentidos em perfeita comunhão, como há muito não testemunhava.

Dylan e a sua banda deram um concerto absolutamente memorável, sem sombra de dúvidas um dos melhores a que alguma vez tive oportunidade de assistir.

E um dos concertos que o público presente mais facilmente recordará, porque o viveu, sem distrações, focado em presenciar e testemunhar o momento, sem a preocupação (ou necessidade) de sacrificar um momento raro de fruição para usar um dispositivo que supostamente ajuda a guardar e a partilhar memórias mas, na verdade, atrapalha ainda mais a nossa fruição e a de quem nos rodeia. Para além de atrapalhar também a função de quem trabalha para nos proporcionar um momento único e memorável.

Dylan ofereceu-nos um concerto que, na substância, poucos artistas poderiam ambicionar mas que, pelo menos na forma, todos deveriam tentar seguir.