Opinião

Eu respiro, logo penso

7 nov 2025 11:08

No universo global e tecnológico que se agita num pulsar alucinante, pensar é o último reduto da identidade

A nossa maior virtude, além dos gestos que praticamos, é a do pensamento. Aliás, este é o único bem assegurado, constituindo a essência, a unicidade ou a alienação do eu. É comparável à nossa impressão digital. Estas afirmações advêm da leitura de George Steiner, pensador considerado herdeiro de Sócrates (o filósofo), no século XX. A sua obra prevalece, intemporal, como a demonstração do milagre irrepetível de cada ser humano.

A verdade e a transparência do instinto pertencem ao reino animal (não digital), onde o Homem resiste. Ele vai sobrevivendo no mundo, em virtude do recorrente desuso da inteligência. A máscara é usada debaixo da pele, sob a forma de pensamento. A ciência comprova que o processo de pensamento persiste durante o sono.

À semelhança da respiração, vários modos de pensamento são duráveis a qualquer interrupção que surja. Mesmo quando dormimos, presumindo que estamos num estado de inconsciência, o fluxo de imagens mentais segue o seu curso, podendo eclodir de sentimentos de prazer e dor, profundamente enraizados.

No universo global e tecnológico que se agita num pulsar alucinante, pensar é o último reduto da identidade. E os valores, crenças e representações («percepções» ou «narrativas»), logicamente formais ou existenciais, rígidos ou difusos, que se ligam à inverdade, enredam-se nas concepções históricas, ideológicas, psicológicas, arbitrárias, cada vez mais voláteis, descartáveis, flutuantes e induzidas.

Não se trata de uma «circularidade dialética», como denominaram os filósofos. Esse modo racional constructivo, deu lugar ao irrelevante, à falsidade, ao disfórico, ao enviesado, por via do algoritmo e da agenda. Já não há questionamento ou dúvida. Consente-se porque há uma propagação da mensagem. O automatismo irreflectido do like é o pensamento em ruína. Mas retornemos ao início: os dois processos que os seres humanos não conseguem suster, enquanto vivem: respirar e pensar.

Habitamos o mundo pela via da oxigenação e do pensamento. Por toda a parte, a claridade da mente e o fluxo respiratório, embatem contra a obscuridade e a asfixia. A inteligência é o último suspiro da sobrevivência. Tal como a respiração, gera a capacidade de duvidar e de buscar alternativas. Quando se torna preguiçosa, viciada e impulsiva, perde o sentido primordial: o da sã ignorância, retórica da claridade e transparência. Inspira, Pensa - pausadamente - e Expira. “O homem, quando sonha, é um deus; quando reflecte, é um mendigo.” Friedrich Hölderlin