Opinião

Deste Abril

12 abr 2024 11:29

É assustador pensar que por vezes vivemos estagnados nesse estado mental comum, adormecidos nesse sonho de onde não se sai

Esta é a minha crónica de Abril, dum Abril de 50 anos desse nobre dia 25. Em 1974 eu não era nascida. Não faz de mim menos qualificada para retratar um tempo desconhecido. Apanhei apenas com estilhaços dessa génese democrática, ainda ouvi histórias passadas na primeira pessoa. De gente que conheceu a guerra, a PIDE, as normas e preceitos sociais, sobretudo para as mulheres e livres pensadores. Os pobres sofriam em silêncio.

Na tríade Deus, Pátria, Família, não havia grande lugar para pessoas, ciência, liberdade. Dita-dura. Mesmo dura, uma dureza de vida ditada por poucos e sofrida por muitos. Liberdade e destino individual eram conceitos valiosos, porque raros e condicionados, na mesma certeza de pobreza generalizada e baixíssimos níveis de instrução, onde faltava tudo e se controlava tudo.

Não conheci esse Portugal, apenas o país novo que daí em diante se construiu. E se constrói. Um Homo Abrilis surgiu, um novo adn. Sou filha póstuma desses tempos, respirando já desses novos tons que rasgaram um país ao meio e o abriram ao mundo. Não vou falar de política porque já deve ter sido tudo dito. Já enjoa senhores... Nesta sina, fado ou tristeza nacional, parece que o tempo não passa, e temos aos dias de hoje as mesmas discussões…os fascistas, os comunistas, o Estado, militares, o racismo, verdades absolutas por todo o lado.

É assustador pensar que por vezes vivemos estagnados nesse estado mental comum, adormecidos nesse sonho de onde não se sai. Uma espécie de ilha dos amores. Confesso o meu fascínio por Natália Correia e escolho enaltecer uma mulher nesta efeméride de 50 anos.

Se tiver que deixar uma referência à geração da minha filha, que seja esta, uma mistura de política, poesia, boémia, pensamento e acção. Um capitão no feminino. A coragem não tinha armas, era escrita em poema num desassombro tremendo, valendo-lhe até pena de prisão. Escrevia aquilo que o Estado considerava imoralidade, e que se empenhava em controlar. Hipocrisia de costumes era a regra, numa bitola do tamanho dum lápis azul.

Comparo essa Natália de então, aos olhos de mulher nos dias de hoje, e não tenho a certeza do que nos poderia ser dito. Saiu recentemente um livro dela onde espero conseguir descobrir alguma pista de luz. Ainda não li. “Quem me havia de dizer que meia dúzia de banalidades inconformistas, proferidas nesta aldeia de castrados pelo terrorismo verbal que reduz a perversão reaccionária a liberdade de criticar, me transformaria numa Nossa Senhora dos cobardes!”.

Caminhamos rapidamente, mas em muitas cabeças ainda não saímos desse 1974. De abril quero futuro. Foi feito para isso.