Opinião

Democracia?

2 dez 2022 11:13

Democracia é o governo do povo, com o povo e para o povo, com respeito por todos e por cada um, ou seja, é a procura do bem comum

Meu caro Zé,

Com esta terrível guerra da Ucrânia (o da devia ser na, mas o na não chega para descrever o seu alcance que já é, praticamente global), tenho procurado ler várias obras que me permitam conhecer melhor, se possível, as causas remotas e até mais próximas deste conflito. Entre elas está um livro escrito em 2015 pelo antigo Campeão do Mundo de Xadrez, Garry Kasparov, inicialmente apoiante de Putin, mas que rapidamente se tornou seu opositor, acabando por se exilar nos Estados Unidos da América.

O sugestivo título do livro é O inimigo que vem do frio e em subtítulo A liderança de Putin e a grande ameaça à paz mundial. Curiosamente, a síntese que o Wall Street Journal fez do livro logo na capa é um bom indicador da posição do autor: “As forças que empurram a Rússia para um autoritarismo agressivo e a denúncia de como o Ocidente contribuiu para isso”.

Sem embargo de não ser um livro só factual e sem esquecer que o autor não é um analista isento, há (pág. 80) uma frase que me trouxe para o meio da confusão atual: “A propaganda soviética também era perita no “entãoeismo” , um termo cunhado para descrever a forma como os líderes soviéticos respondiam às críticas feitas aos massacres soviéticos, às deportações forçadas e aos Gulag com “então e a forma como vocês, americanos, trataram os americanos nativos e os escravos?” ou algo semelhante”.

Este termos “entãoeismo” abanou-me bastante e trouxe de imediato à mente o modo como as políticas se têm baseado, menos ou mais, neste termo e nós, cada um de nós, não o teremos, implicitamente, usado também? No fundo, esta é uma abordagem que leva ao relativismo, à justificação do comportamento com o comportamento dos outros, com completa despreocupação pela ética e pelo valor intrínseco dos atos.

É mais um “ismo” que o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (J. Pedro Machado) descreve (pág. 327 do III Volume) com grande riqueza, desde a sua origem latina, que, por sua vez, provém do grego e que “é comum a todas as línguas da civilização da Europa”. Refere ainda que “este sufixo serve de elemento formativo a quatro tipos de vocábulos”, dos quais me permito citar dois: doutrinas e atitudes.

E quando mergulhava nestas observações, reparei que Democracia não tem qualquer “-ismo”, nem consequentemente, na minha opinião, deve ser submetida ao acréscimo de qualquer adjetivo. Democracia é o governo do povo, com o povo e para o povo, com respeito por todos e por cada um, ou seja, é a procura do bem comum e não de qualquer “ismo”.

Por isso, cada vez mais, ponho em causa a defesa da conquista de maiorias absolutas, sobretudo quando elas, como acontece a maioria das vezes, nem sequer são expressão da maioria das pessoas. É que as maiorias absolutas, como se tem visto, acabam por ser a expressão ditatorial de um “ismo”, com todas as suas consequências até à perversão desse “ismo”. Até sempre,