Opinião

Das palavras antes nunca ditas

16 abr 2020 15:45

Não se pode dizer tudo porque há verdades com que apunhalaríamos uma relação.

A primeira palavra é a que mais custa.

Procura-se por entre o vazio do sentido do que se quer dizer. Não que haja nada a dizer, pelo contrário, que os silêncios são eloquentes por natureza.

Há sempre tanto a dizer, tanto quanto o que se silencia.

Muitas vezes, quase sempre, porque o não-dito é um conflito entre o que sentimos intrinsecamente e o que a razão nos diz que o devemos silenciar.

Não se pode dizer tudo porque há verdades com que apunhalaríamos uma relação.

Adiamos, então, o que há para dizer.

Mais tarde, logo digo, talvez quando houver oportunidade, repetimos vezes sem conta no nosso diálogo interior.

Por vezes dizemos uma parte do que queremos dizer na esperança que nos entendam, ou que perguntem o que queremos dizer com aquilo, por meias-palavras como se pudessem as palavras ser quartejadas.

Há vezes, também, em que dizemos só para nós próprios, como um desabafo, um pensar em voz alta para que as palavras ditas passem a ter corpo e se façam reais.

Ontem, eu disse para não ser ouvido: sobre o que hei-de escrever?

Não era uma pergunta, quanto muito uma dúvida. Mas a resposta veio como se a pergunta pairasse já no ar à espera de ser respondida, - Fala da esperança.

Esperança?

Como se fala de esperança sem repisar ideias de pacotilha sobejamente partilhadas e que por isso tão-pouco nos fazem pensar no seu sentido?

Pressupor esperanças à medida das necessidades de cada qual num exercício de cartomancia e adivinhação?

Felizes os tolos que sempre escutam o que querem ouvir porque deles é o reino da resignação.

Mas um desafio é sempre um pretexto para nos inquietar, e neste tempo parado no tempo, mais que uma inquietação é fator de resiliência. Fale-se, pois, de esperança, e aqui se deixe o testemunho desse falar ao dia de hoje, em que tanto carecemos dela.

E se a esperança que procuramos não for a do melhor que virá e porque ansiamos, mas tão-somente a expetativa que recai sobre quem está a nosso lado?

Alguém pergunta, - Sairemos mais fortes ou sucumbiremos à repetição dos dias?

E na resposta a esta pergunta se investe toda a esperança, seja quem for que pergunte: nos casais um ao outro, os filhos aos pais, os amigos entre si, os amantes mesmo que fisicamente distantes agora, o empregado ao patrão, o peregrino ao seu santo de devoção.

Se assim for, a esperança deixaria de ser suportada na incerteza do que não depende de nós -do que nos é exterior, do que nos confina o pensamento (estatísticas, pareceres, opiniões, comentários, análises, um sem fim de informações que não dão respostas) - e passaria a ser um ato nosso, responsável, assumido.

Cada um de nós como realidade tangível do pressuposto de esperança do outro próximo e cuja expectativa recai sobre nós. Seria uma esperança não do que virá, mas do que posso fazer por ti.

Neste tempo em que cuidar do outro passou a ter um peso tão grande, em que o modo e o tempo do cuidar requerem particulares atenções, a firmeza das nossas convicções é posta à prova. Já não podemos adiar as palavras antes nunca ditas.

É o tempo de dizer verdade.

- Sim, podes ter esperança em mim que de ti e do nosso, mais que nunca, cuidarei!

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990