Opinião

Da felicidade

25 mar 2021 17:32

Um discípulo de Sócrates descreveu a felicidade como a capacidade da autossuficiência e, no nosso século, uma neurocientista refere-se à felicidade como um sentar-se em silêncio a perceber que a vida é maravilhosa.

Tornada nestes últimos tempos uma observadora mais próxima, e atenta, da forma como as pessoas – nas quais me incluo - vivem as circunstâncias menos agradáveis, ou mais difíceis, do seu quotidiano, como lidam com as alterações de rumo provocadas pelo acontecido, e como entendem ser o propósito das suas vidas, dou comigo a pensar como todos poderiam sossegar na perseguição da felicidade se soubessem como pode ser simples encontrá-la.

A felicidade não está dependente da ausência de acontecimentos nefastos, que nos deixarão naturalmente abalados e tristes durante o período do luto que tenhamos de fazer por uma perda, seja ela de que tipo for.

Também não depende de acontecimentos fantásticos que nos encham de alegrias, ou de ganhos, sejam eles quais forem, nem tão pouco resulta do cumprimento rigoroso de um percurso de vida detalhadamente planeado para atingir tudo aquilo que julgamos indispensável a essa felicidade.

Na realidade, a aspiração a grandes metas, ou a intransigência em relação ao percurso previamente traçado, serão certamente motivos para alguns desgostos, sensações de perda, ou constatação de incapacidades, que, a bem da verdade, e apesar de profundamente sentidos, nada têm de real.

Como poderá alguém sentir-se culpado de não atingir uma meta se ela não estiver ao seu alcance?

Como poderá alguém sentir-se a fracassar, se o percurso que definiu se foi alterando por força da interacção com as outras vidas que o percorrem em simultâneo?

Precisamos de entender que somos mais do que aquilo que alcançamos, que tudo o que vamos conseguindo realizar depende em muito dos outros e das circunstâncias, e que o que realmente importa é a nossa essência. Essa, acontece no dia-adia, e aí reside a origem da nossa felicidade.

A frase é antiga, e um pouco gasta, e por esse motivo já nem a “ouvimos”, mas a verdade é que o caminho se faz mesmo ao andar, e que, bem mais importante do que a chegada, será sempre a forma como o soubermos percorrer.

Os grandes objectivos, e os sonhos, são luzes que nos encaminham os passos e a vontade, sim, mas a maior parte dos nossos dias são feitos de horas semelhantes, de agitações vulgares, de alegrias banais, de partilhas simples, e de solidões naturais.

Estas, tantas vezes temidas como sinónimo de infelicidade, deveriam ser sempre transformadas num precioso silêncio gerador de entendimento, de prazer no pensamento, ou de possibilidade de fruição do instante único que nesse instante acontece.

Um discípulo de Sócrates descreveu a felicidade como a capacidade da autossuficiência e, no nosso século, uma neurocientista refere-se à felicidade como um sentar-se em silêncio a perceber que a vida é maravilhosa.

A felicidade é o nosso contentamento em sabermos quem somos, e o nosso propósito de sermos como somos, em cada um dos dias simples de que a vida é feita.