Opinião

Cinema | Não gosto de adaptações para cinema, passo a explicar...

1 jun 2023 09:22

Quando lemos somos realizadores daquela história. Fazemos o nosso filme. É pessoal e intransmissível

Agora que estamos naqueles finais meses de primavera onde se fala de livros por todo o lado, dei por mim a refletir nas adaptações para Cinema de obras literárias. E, aviso desde já, logo aqui no início deste texto, que não costumo apreciar nada. Nadinha. Zero. Nicles.

Cheguei, muito recentemente, a esta conclusão, admito. Não sei se foi do assombro da idade; se do acumulo de histórias lidas e assistidas às quais pude estabelecer uma comparação. Porque é inevitável, admitamos: quando um realizador se presta a adaptar um livro a um filme, vão existir comparações, óbvias. E, lamentavelmente, para os fãs inequívocos de cada obra literária, o filme sai sempre pobre e a saber a pouco. Incongruente. Diferente. Para os que não leram, ou leram apenas, levianamente, bem, o filme parece-lhes, regularmente, bem.

Lembro-me de esperar com algum entusiasmo, em 2006, pelo filme Perfume – A história de um assassino, de Tom Tykwer, baseado no livro Perfume, do alemão Patrick Süskind. A crítica dizia que se tratava de uma obra-prima. No entanto, lembro-me de sair da sala de cinema derrotada. Nada estava retratado como havia imaginado. Saí de lá com um vazio maior do que entrei. Não digo que o filme estivesse mal realizado, mas simplesmente, não era aquilo que estava à espera. De todo.

Mas porquê? Pois que, depois de refletir sobre o assunto, consegui encontrar uma teoria que passo a partilhar:

Quando lemos um livro as imagens que ele descreve dançam na nossa cabeça. Estamos a ler letras, palavras e parágrafos, mas todo um filme se desenrola bem no mais íntimo de nós. E demora. Raros são os livros que conseguimos ler em uma ou duas horas. O que nos propõe um assombramento muito mais eficaz. Ou seja, quando lemos somos realizadores daquela história. De acordo com o nosso passado e as nossas vivências. Escolhemos os planos, o cenário e a atmosfera. Damos mais importância a este ou aquele pormenor que, outra pessoa, a ler, exatamente, as mesmas palavras, não dá. Fazemos o nosso filme. É pessoal e intransmissível.

Quando vemos um filme sobre a mesma obra que lemos, aquela visão não é a nossa. É a de outra pessoa. Logo, tudo nos vai parecer uma fraude. Fora do lugar. Com sentimentos contraditórios. Portanto, um nunca vai substituir o outro. Podem complementar-se para algumas pessoas. E, para outras, tratar-se-á de uma escolha. Mas substituir nunca.

Recentemente, li uma frase do realizador David Lynch que dizia algo como: “a razão e o sentido da vida estão no cinema, na pintura e na música”. Mas eu acrescento: “e na literatura, caríssimo. Na literatura”.