Opinião

Cinema | A Mulher do Som

14 abr 2021 15:05

Existe um prazer constante na história do cinema em trazer-se à superfície o que está esquecido, enterrado e longe da memória consciente

No campo do cinema, bem como noutros, este trabalho será sempre infinito; o ruído, a quantidade de material audiovisual produzida todos os dias, no mundo inteiro, é o pó que constantemente encobre o que se esquece, objectos, mas especialmente as pessoas que foram importantes para a nossa cultura, para o sentido da nossa história.

O historiador, seja em que campo for, é sempre um arqueólogo, escava constantemente por entre pós concretos ou metafóricos, na procura de uma jóia.

Hoje em dia, é surpreendente o modo como, nas mais diversas áreas de trabalho, nas artes, pode subsistir tão pouquíssima paridade de género. É o caso do som.

Leccionei, recentemente, num mestrado de som em que todos os alunos eram homens; no ano anterior, tinha lá encontrado um par de mulheres.

Porque é que as jovens mulheres não querem trabalhar em som? O que se passa neste campo de trabalho? É um mistério que ainda não consegui deslindar.

Paola Porru foi uma pioneira do som no cinema português. Os acasos da vida fizeram com que de uma bióloga italiana se fizesse estudante de cinema em Portugal nos anos que circundaram a revolução de Abril.

E foram, também, o acaso e a necessidade que fizeram com que Serge Deraison se tornasse o seu mentor, daí deu-se só um passo para que uma bolsa da Gulbenkian e um estágio no Centro Pompidou surgissem.

O pós-revolução juntou Porru a Seixas Santos, Solveig Nordlund, Jorge Silva Melo, Luís Miguel Cintra, Acácio de Almeida e Teresa Caldas, foram os anos dinâmicos da cooperativa Grupo Zero e de filmes políticos de reflexão social como A Lei da Terra (1977).

Porru foi a primeira mulher na direcção de som em Portugal e também a grande impulsionadora do som directo, mas o seu talento não se cingiu como que numa ilha isolada. Formou e chamou várias pessoas para o som em Portugal, os grandes especialistas da actualidade, como Vasco Pimentel, Francisco Veloso, Paulo Melo.

As sementes lançadas por Porru continuam a dar frutos.

O modo de produção da altura permitiu a Porru uma abordagem pessoal, de dedicação total, em que acompanhava os filmes da pré à pós-produção, esta última feita regularmente fora de Portugal e aí, lá ia Paola Porru, de carro ou avião, levando o som em bruto e retornando com a mistura mágica. 

Mas não terá sido uma questão só que fez com que Porru abandonasse uma carreira de quinze anos no cinema em Portugal.

O ter-se uma criança e precisar-se de um sustento regular terá sido, certamente, uma razão, mas uma abordagem muito pessoal ao som foi também importante.

Não gostou da passagem do analógico para o digital, sempre gostou do som com sopro, com robustez, uma terceira dimensão que a tecnologia digital lhe retira, talvez porque na imperfeição da reprodução exista algo mais próximo do humano.

Paola Porru, uma grande mulher do som para cinema em Portugal.

Que venham mais!