Opinião

Cinema e TV | Isto é uma coisa a ver: Die Hard

28 dez 2023 09:38

Tendo sido a sétima escolha para o papel de MacLane, após a recusa de Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone, Bruce Willis deu origem a um novo herói de ação, com mais cérebro e menos músculos. Um herói humano, vulnerável e com sentido de humor

Para aqueles que, como eu, não gostam de filmes que façam rir, chorar ou pensar (demasiado), os clássicos de Natal não são It’s a Wonderful life (Do Céu Caiu Uma Estrela) nem Home Alone (Sozinho em Casa), mas antes Die Hard e Die Hard 2, traduzidos em português para Assalto ao Arranha Céus e Assalto ao Aeroporto. Protagonizados pelo incomparável Bruce Willis (como todos os filmes da saga), Die Hard e Die Hard 2 foram realizados na transição dos anos oitenta para os anos noventa, décadas de ouro para o cinema de ação, sendo herdeiros de filmes igualmente lendários como Rambo, Predator (também de John McTiernan), Lethal Weapon ou Terminator, que consagram Silvester Stallone, Arnold Schwarzenegger e Mel Gibson como heróis de ação.

Estes action heros, dos quais Bruce Willis faz parte por direito, caraterizam-se por lutarem pelos valores (americanos) e pela justiça, muitas vezes à margem do sistema, sem reconhecimento nem recompensa, à semelhança dos cowboys solitários dos westerns, mas com artilharia pesada em vez de revólveres, e músculos em vez de pontaria. Num claro maniqueísmo, a maldade dos vilões é proporcional à bondade e altruísmo dos heróis, de modo a que o espetador, já dessensibilizado pela quantidade de mortes gratuitas, não se perca em considerações morais ou especulações sobre motivos ou intenções.

Os filmes Die Hard não fogem a este padrão. O primeiro foi realizado em 1988 por John McTiernan (que realizará também o terceiro filme da saga, Die Hard with a Vengeance), numa altura em que nos Estados Unidos ainda se respirava a moral conservadora das presidências de Ronald Reagan. Talvez por isso, para além da luta pelo bem, Die Hard é também sobre a vitória do amor e da família enquanto núcleo estruturante da identidade e condição para a celebração das festividades natalícias. John MacLane, um polícia nova iorquino que não quer mudar-se para Los Angeles onde trabalha a sua mulher Holly (Bonnie Bedelia), vai visitá-la na véspera de Natal para tentar reconciliar-se e salvar o casamento. Chega à Torre Nakatomi, onde Holly trabalha, quando decorre a festa de Natal da empresa e, simultaneamente, o assalto levado a cabo por um bando de terroristas liderados por Hans Gruber (Alan Rickman). Todos ficam reféns menos John que, um a um, vai abatendo os vilões, salvando os reféns, Holly e o seu casamento.

O segundo Die Hard, realizado em 1990 por Renny Harlin, replica o primeiro, mudando apenas o cenário. John McClane está de novo numa cidade estranha para se reencontrar com a mulher na véspera de Natal, vendo-se obrigado a enfrentar um grupo de terroristas que ameaçam fazer cair o tráfego aéreo do aeroporto de Washington. E, mais uma vez, John/Bruce salva o Natal e garante a vitória do bem e do amor, celebrizando a expressão yippe kayay.

Tendo sido a sétima escolha para o papel de MacLane, após a recusa de Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone, Bruce Willis deu origem a um novo herói de ação, com mais cérebro e menos músculos. Um herói humano, vulnerável e com sentido de humor. Um herói que, sendo galã, não é sedutor nem se deixa seduzir. Um homem banal capaz de fazer coisas extraordinárias. Julgo que é aí que reside o sucesso do filme, na ‘humanidade’ que Bruce Willis consegue imprimir a John MacLane.

Por isso, esta crónica é também um tributo a Bruce Willis, que nos ofereceu personagens tão inesquecíveis como David Addison Jr., em Moonlighing, Korben Dallas, em The Fifth Element, Butch Coolidge, em Pulp Fiction, Joseph Cornelius Hallenbeck, em The Last Boy Scout, James Cole, em Twelve Monkeys, Harry Stamper, em Armageddon, Malcolm Crowe, em The Sixt Sense, ou David Dunn, em Unbreakable. Infelizmente, ao contrário do que acontece nos filmes de ação dos anos oitenta, os heróis podem ser derrotados pela vida real. Mas o cinema permitirá garantir-lhes a eternidade. Yippe kayay e Bom Natal a todos.