Opinião

A garagem com mais andamento da cidade 

18 jan 2024 16:50

Vem dessa altura o amor pelas palavras, por contágio da sua querida professora de Português, Amélia Pinto Pais

Menos de 4 quilómetros separam o largo do Terreiro do bairro do Telheiro, na Barreira. Mas quando a Rita nasceu, na casa e na cama da sua avó, Leiria ficava muito longe - em mais do que um sentido.

Teve de esperar 13 anos para ver a distância geográfica da periferia ao centro significativamente encurtada por uma mudança para o bairro dos Capuchos. Quanto à distância socioeconómica, o mundo foi mudando mas não o suficiente. As desigualdades sociais, o rácio salários-preços-impostos, a pobreza financeira e cultural, a ignorância, o racismo, a xenofobia, a perda de valores, que empurram muita gente para periferias várias, continuam a provocar-lhe tristeza e revolta.

Quando já tinha idade para sair sozinha, era precisamente no Terreiro que muitas dessas desigualdades se esbatiam: “um mar de gente, tipo formigas, à pinha, todos os fins-de-semana”. Desses tempos, guarda especiais saudades do Trigo no Álibi - sendo o Trigo um DJ que fez muito pela educação musical de uma certa geração de leirienses, e o Álibi uma discoteca ou, nas palavras da Rita, a garagem com mais andamento da cidade. 

Mas nem tudo eram danças. Vem dessa altura o amor pelas palavras, por contágio da sua querida professora de Português, Amélia Pinto Pais. Rita recorda-a com uma mentalidade à frente do seu tempo e uma inteligência ímpar. “Lembro-me de me emocionar nas suas aulas com Pessoa e Camões”, diz a Rita. E eu, Rita, lembro-me de te ver em palco, encenada pl’O Nariz. 

Então não surpreende que o mundo tenha ganho uma professora de Português e Inglês completamente apaixonada pelo que faz. E não é apenas pela gratificação de poder fazer parte do enriquecimento pessoal dos alunos. É também por serem áreas inesgotáveis em termos de nova informação e novos métodos. 

Mas a Rita não foi sempre nem só professora. Com 29 anos mudou-se para Londres atrás de novas oportunidades e experiências. Queria estudar Inglês, ganhar dinheiro, concretizar alguns sonhos de adolescente… “Londres é uma cidade fantástica, há sempre algo novo para ver e fazer. É muito cara nas rendas, transportes e entretenimento, mas também é possível assistir gratuitamente a muitos eventos.” 

Depois de 4 anos em Londres, ficou 9 em Brighton, cidade costeira no sul de Inglaterra, a hora e meia de Londres. Trabalhou em várias áreas, concretizou sonhos, viajou, estudou todo o Inglês que quis e mudou de casa 7 vezes em 13 anos. Feito o balanço, em que pesou ser filha única e querer estar perto da mãe e dos amigos, estava na hora de voltar. Queria fazer picnics no meio da natureza, nas nossas matas nacionais, nos nossos parques de merendas. Matar saudades do Tremelgo com o seu eucalipto centenário, o riacho e a fonte. Além disso, diz-nos, “queria fazer coisas na minha cidade”. 

Para mim, que também amo as palavrinhas, a Rita é como uma figura de estilo. Em sentido literal, porque é de admirar o estilo único e a atitude destemida com que entra em (qualquer) palco. E em sentido literário também, porque é a Rita Reis. Rititi. Rita da Lela do Telheiro. Rainha do Terreiro. Britanita. Leiriense de sorriso sempre aceso.