Opinião

A Casa da democracia

15 nov 2019 14:36

É nos órgãos mais improváveis que se recuperará a dignificação da política, tão denegrida por culpa de quem a serve, com as consequências de rejeição e aversão que todos conhecemos!

Os debates quinzenais com o primeiro ministro são os momentos mais mediáticos e mais animados das sessões da Assembleia da República, pelo que os partidos aproveitam esta oportunidade para se fazerem ouvir nas suas críticas ao governo.

O parlamento português, nesta legislatura, integra 10 formações partidárias, três das quais têm um deputado único.

Para constituir um grupo parlamentar requer-se a simples pluralidade, o que comparando com outros parlamentos estrangeiros até nem é exigente, pois bastam dois deputados para o poder constituir.

Só que o Regimento que regula a nossa assembleia reserva para os grupos parlamentares, e só para eles, os principais direitos, como sejam a intervenção na definição da ordem do dia, a integração em comissões parlamentares, as interpelações ao governo e a constituição de comissões de inquérito.

Nenhum deputado, nessa simples qualidade, pode exercer qualquer destes poderes, portanto os eleitos pelos três partidos singulares estão inibidos de interpelar o governo nos debates quinzenais.

Parece-me intolerável esta situação e espero que a conferência de líderes abra exceções e os eleitos por estes três partidos se possam fazer ouvir.

Se imperar o bom senso, quando estas linhas forem publicadas já a democraticidade terá vencido!

A proximidade do primeiro debate quinzenal trouxe este incidente para a ribalta.

Como presidente da Assembleia Municipal de Leiria, não posso deixar de confrontar esta situação com o que passa no órgão deliberativo do nosso município, mesmo tendo presente o princípio da proporcionalidade de importância entre o órgão nacional e o local.

A Assembleia Municipal de Leiria integra três partidos que só elegeram um deputado nas suas listas: o BE, o PAN e o PCP. Embora singulares, têm atribuídos cinco minutos para cada, no período de antes da ordem do dia e 15 minutos para a ordem do dia.

Integram em paridade a comissão de líderes, participam em todas as comissões permanentes ou eventuais, podem indicar temas para a ordem de trabalhos, apresentar moções, requerimentos ou recomendações e até convocar sessões extraordinárias nas mesmas condições que os outros grupos!

Seremos então nós a verdadeira “casa da democracia”?

Talvez, se atentarmos a que qualquer munícipe se pode fazer ouvir nas sessões da assembleia, apresentando as suas reclamações, as suas sugestões, as suas perguntas, com a certeza que está a ser ouvido pelos deputados, por todos os presidentes de junta, pelo presidente da câmara e respetivos vereadores, pela comunicação social, pelo público presente e por muitas centenas, por vezes milhares, através da internet e até ser entendidos pela comunidade surda!

A Assembleia Municipal é um órgão do município, ao qual foram atribuídos largos poderes e estreitíssimas condições para os desempenhar, que depende administrativa e financeiramente da entidade que tem de fiscalizar, mas tem-se procurado impor e dar a conhecer e é hoje reconhecida como um exemplo de verdadeira democracia local.

E não se minimizem as atribuições da competência do poder local pois muitas delas interferem, positivamente ou não, na qualidade de vida dos cidadãos, muito mais vincadamente do que os magnos assuntos do poder central!

O alargamento da audiência tem-nos trazido ecos de agrado pela elevação, compostura e profissionalismo, com que se desenrolam os trabalhos do órgão deliberativo.

É nos órgãos mais improváveis que se recuperará a dignificação da política, tão denegrida por culpa de quem a serve, com as consequências de rejeição e aversão que todos conhecemos!

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990