Desporto

Victoria Kaminskaya: “Existe sofrimento físico e psicológico. Sim, choramos, e não sou apenas eu”

9 jun 2016 00:00

A menina de 20 anos que nasceu na Rússia vai nadar por Portugal nos Jogos Olímpicos. Um percurso de muito esforço e dedicação de quem passa quatro horas por dia dentro de água.

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O sangue russo dá-lhe alguma vantagem para a alta competição?

Na natação acho que não, até porque não tenho nenhum ascendente que fosse nadador, mas a minha família sempre foi desportista. A minha avó fazia ginástica, os meus pais atletismo, a minha tia joga voleibol. Se calhar temos um gene. Mas na mentalidade talvez: não desistir e trabalhar muito.

Qual foi a razão da mudança para Portugal?

Primeiro veio o meu pai, sozinho. Na altura era complicado encontrar emprego na Rússia e ele veio para trabalhar e ganhar algum dinheiro, mas nunca lhe passou pela cabeça ficar. É fisioterapeuta e é nessa área que trabalha presentemente, mas de início teve de se desenrascar. Fazia de tudo. Entretanto, o patrão disse que ia abrir uma pastelaria e precisava de mais trabalhadores e a minha mãe também veio. Estava tudo a correr bem. O patrão abriu depois um hotel e o meu pai foi trabalhar como técnico de manutenção e a minha mãe para o restaurante. Depois vim eu.

Foi difícil para a Victoria?

Não me lembro de ter sido difícil. Ainda era novinha, tinha seis anos, quase sete. Até foi bom para mim, porque os meus pais já cá estavam e eu vivi dois anos com a minha avó em Briansk, a cinco quilómetros de comboio de Moscovo. Nunca me esqueço que sempre que eles iam lá de férias para ter comigo eu chorava muito quando eles se iam embora. Dizia que não gostavam de mim, que me estavam a deixar. Por isso, para mim, até foi bom vir. Dava-me muito bem com os filhos dos patrões. Ajudaram-me imenso a começar a falar português. Como era um hotel e tinha piscina, nós estávamos sempre ali. Os meus pais estavam a trabalhar, mas estava sempre sob vigilância deles.

Não há nada russo que sinta falta?

Se calhar, no Inverno, tenho saudades na neve. Quando vivia em casa da minha avó nevava imenso e eu brincava muito na neve. Mas agora não tenho tempo para essas coisas.

Esta participação olímpica faria algum sentido com as cores russas?

Não. Foi em Portugal que o meu pai me ensinou a nadar, nessa tal piscina. Para os meus pais, quando estou em casa não posso estar sem fazer nada. Não podia ficar a ver televisão ou a jogar Gameboy. Tinham de arranjar qualquer coisa para me distrair. Ainda fui ao taekwondo, mostraram-me o cinto preto, tive logo medo e não quis. Depois essa minha amiga, a filha do patrão, andava na natação, em Peniche. E fui com ela.

Acreditava se há três anos lhe dissessem que ia aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro?

Não. Fui para Rio Maior porque apresentava cada vez melhores resultados e há três anos consegui ir ao meu primeiro Mundial. Não sei como o fiz, fiquei super-contente, já era um tempo muito bom. Lembro-me de ter pensado que se queria continuar não podia voltar a fazer os mínimos na última oportunidade, que tinha de ser com antecedência. Não podia continuar com o trabalho que estava a fazer. Tive de mudar.

Obrigou a muitos sacrifícios pessoais.

Sim. Deixei os meus amigos, os meus pais… Claro que vou todos os fins-de-semana a casa. Não conseguia estar em Rio Maior um ano inteiro sem ir a casa. Se já me custa muito nas semanas de carga... Vou espairecer, matar as saudades, mas fui-me habituando. Tem de ser.

É um percurso onde se cai muitas vezes.

São muitas lágrimas, também. Quando era mais nova e ia a uma grande prova internacional sabia que era lá que tinha de estar bem, mas ficava muito nervosa e as coisas não saíam. Queria fazer o meu melhor e não conseguia. Ficava muito mal classificada e era muito frustrante. Há dois anos tinha mínimos para ir ao Europeu e não fui porque me lesionei a trabalhar. Estava a fazer core e de repente tive uma ruptura do abdominal. Estive parada um mês. Lá está, tive uma vez mais de me levantar. Penso sempre que se não correu bem, pelo menos o trabalho não se perde. O trabalho está sempre lá e devemos continuar e persistir, porque o resultado há-de aparecer. E desta vez apareceu.

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