Viver

Tarrafal ou como filmar o invisível

19 dez 2016 00:00

Pedro Neves acaba de estrear um novo documentário contra o esquecimento, nos limites da existência.

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Como se documenta a ausência? O novo filme de Pedro Neves centra-se num bairro que já não existe, tal como não existem os contornos de miséria e violência que lhe valeram a alcunha de Tarrafal.

No bairro São João de Deus, no Porto, as condições de vida eram tão más que atraíram a comparação com a pior prisão política do Estado Novo, um autêntico campo de morte lenta. Atraíram também pobres, toxicodependentes, marginais – os excluídos da sociedade, que o autarca Rui Rio quis tornar ainda menos visíveis, em 2008, com a demolição das torres e o despejo de várias famílias.

Os blocos de apartamentos na Campanhã vieram abaixo e ficaram apenas as 144 habitações unifamiliares construídas na década de 40 do século passado. Desaparecia o supermercado da droga, que chegou a atrair 1.500 consumidores por dia, as tendas do chamado vale dos leprosos, a população de minorias étnicas desfavorecidas, mas também as escolas, mercearias, cafés e casas – no fundo, o imaginário e berço de afectos para mais de seis mil pessoas.

Tarrafal, documentário de Pedro Neves, que estreou a 29 de Novembro no Grande Auditório Rivoli, durante o festival de cinema Porto Post Doc, começa com imagens da RTP captadas durante uma intervenção da polícia, e daí viaja para o silêncio da actualidade, onde acompanhamos uma figura misteriosa de tronco nu a cavalo entre a vegetação rasteira. Passa depois para os destroços e ruínas deixados pela destruição camarária de 2008, antes de cair num cântico cigano e logo a seguir numa cena de intimidade absoluta: pai e filha visitam o bairro desaparecido, e ele explica à criança como e onde cresceu naquela existência que ela desconhece, agora invisível.

Caminham através do nada, só com palavras. Hoje sobrevivem "essencialmente as memórias, que são muito fortes". E são as memórias que permitem ao realizador de Leiria, a viver no Porto, "contar esta história quase sobre a inexistência de um lugar". Para que "as coisas não se esqueçam e não se percam", explica. 

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