Desporto

Rui Jorge: "Ganhar não chega, nem ganhar a qualquer custo"

26 jan 2017 00:00

Foi um dos melhores laterais do futebol português e desde 2010 orienta a selecção nacional de sub-21, precisamente aquela que, mesmo jogando com nota artística, não perde há cinco anos. E diz que não vale tudo para ganhar

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Esta sexta-feira vai participar, em Leiria, na conferência Treinadores portugueses, liderança inteligente. Ao longo da carreira já se apercebeu, de alguma forma, que os treinadores portugueses são especiais?

O facto de estarem a conseguir resultados a nível internacional revela que existe alguma preparação para o cargo. Esse é um facto que tem sido evidente ao longo destes últimos tempos. A nossa escola de formação de treinadores é boa e há também paixão pela arte do futebol que cresce connosco, portugueses. Por isso, acredito que se pode dizer isso.

É algo inato?

Para se estar no patamar por onde se tomam as referências é necessário o quarto nível de treinador de futebol e, para lá chegar, é necessário estudo e acompanhamento. Dá muito trabalho, mas é fundamental. Mas claro que vão existir sempre treinadores com mais capacidades do que outros.

Em entrevista ao JORNAL DE LEIRIA, o professor Manuel Sérgio disse que quem triunfa no treinador é o homem, não é o muito saber.

Enquanto condutor de homens, acredito muito na vertente humana. Agora, não consigo dissociar uma coisa da outra. Não acredito em quem tem o dom da liderança, mas depois não acompanha com o trabalho técnico. Como também não acredito num professor da faculdade, mestrado em Desporto, mas que não acompanhe com experiência. Há uma relação que não se pode separar.

Leva cinco anos e três dezenas de jogos sem perder qualquer jogo com a selecção nacional de sub-21. Ainda por cima, dão nota artística às suas equipas pelo futebol cativante. Ganhar não chega.

Ganhar não chega, nem quero ganhar a qualquer custo. No entanto, também tenho consciência de que não se sobrevive sem resultados. Atendendo ao que vivemos hoje em dia, os resultados desportivos são fundamentais, mas acredito que é importante para grande parte das pessoas, inclusive para os jogadores, a outra parte. É importante ganhar, mas com o respeito do adversário e o respeito do público a vitória é muito maior.

Até para a indústria.

Não me oferece dúvida. É difícil vê-lo no imediato, mas teremos necessariamente de seguir esse caminho. Se não for hoje, daqui a 15 dias ou 15 anos.

Curiosamente, Portugal sagrou-se campeão europeu, mas a forma de jogar não mereceu unanimidade. Houve quem dissesse que jogou à italiana.

Atenção, não sou contra um treinador colocar dez jogadores dentro da sua área para defender. Está dentro do que é legal e do que é possível fazer tacticamente. Cabe à outra equipa ser eficaz para conseguir superá-la. O que estou veementemente contra – e para mim não é futebol positivo – é em vez dos noventa minutos jogar trinta ou quarenta. É utilizar argumentos não correctos dentro do que é a prática desportiva para alcançar resultados. Agora, utilizar estratégias que possam ser menos apelativas, não sou contra, posso é preferir outra coisa. No Europeu, Portugal foi competente em termos defensivos, uma equipa segura e, que me lembre, não fez esse anti-jogo que não preconizo.

O gabinete técnico da federação, do qual faz parte, decide qual é o futebol que Portugal deve praticar?

Claro que nós, e falo desde os sub-15 aos sub-21, valorizamos muito a qualidade técnica do jogador, o futebol ofensivo, tentamos dominar o jogo através da posse de bola, pelas características normais dos nossos jogadores. Existirá uma situação ou outra em que isso não será possível. Se a equipa tem de jogar de uma forma mais segura, mais defensiva, se tem de explorar mais o ataque posicional ou o ataque rápido, isso variará, não de treinador, mas de geração para geração. À arte do nosso treinador cabe dar a volta à situação e encontrar a melhor equipa para atingir os melhores resultados.

Ultimamente, em Leiria, tem acontecido um número inusitado de chicotadas psicológicas ao nível dos escalões de formação. É difícil educar dirigentes e pais para a menor importância dos resultados nas idades mais jovens?

É muito difícil.

Porquê?

Crescemos muito nessa cultura de vitória e apenas assente na vitória. É disso que tento sempre fugir, mesmo quando falamos daqueles números que falámos. São de facto excelentes números, mas o papel do treinador vai além desses números. Quem vê miúdos de 10 anos a jogar e observa o que se passa nas bancadas... o futebol não pode ser isso. A paixão é o que move as pessoas e devemos preservá-la, mas para educar os jogadores, os nossos filhos, o comportamento tem de ser diferente.

E o papel dos treinadores nessa situação?

É difícil explicar a alguém que um treinador, mesmo não estando a ganhar, está a fazer um bom trabalho. E é mais difícil para um treinador desvalorizar os resultados sabendo que essa é a cultura instituída e tendo de trabalhar para sustentar a sua família. Percebo, não condeno quem faça, só não sou obrigado a segui-la. Mas é por isso que se torna tão difícil quebrar com o que está instituído.

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