Sociedade

Proposta de Área de Paisagem Protegida proíbe colheita de orégãos ou de caracóis

21 jan 2022 11:03

Documento para valorizar região está a ser alterado no seio da Terras de Sicó

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Documento original continha incongruências como proibição da prática de rafting na Serra de Sicó
DR
Jacinto Silva Duro

Se a proposta de criação da Área de Paisagem Protegida Regional (APP) das Terras de Sicó fosse aplicada como está, os habitantes no Maciço da Serra de Sicó, dentro dos concelhos de Ansião, Alvaiázere e Pombal, no distrito de Leiria, e de Condeixa, Penela e Soure, no de Coimbra, não poderiam colher orégãos, louro ou outras plantas aromáticas, e tampouco apanhar caracóis ou medronhos para comer.

Estas são algumas das “lacunas, omissões e incongruências” encontradas pelo Grupo de Protecção Sicó (GPS), Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA) de Pombal, no regulamento proposto para a APP, em 2020, pelos seis municípios.

O documento esteve em consulta pública nas câmaras municipais, mas poucos se aperceberam.

“Nem os presidentes de junta foram auscultados [na elaboração do projecto]”, afirmam Sérgio Medeiros e Hugo Neves, da Comissão de Ambiente do GPS.

A área, que será gerida pelas autarquias através da Associação Terras de Sicó tem como objectivo a protecção do património natural, paleontológico e geológico, e o património cultural de um corredor serrano que integra desde as pequenas estruturas ripícolas às imponentes formações geológicas.

Para o GPS, o princípio é positivo, mas a sua operacionalização, os regulamentos e o modo como a consulta pública foi conduzida - “em ambiente de secretismo” e “à revelia de todos” - mereceram uma análise, enviada aos municípios envolvidos.

“É proibida a recolha de flora autóctone, sem se especificar qual é a flora. Não se poderia apanhar um orégão da borda da estrada ou um cogumelo” explica Hugo Neves. Sérgio Medeiros conta que a proposta foi redigida por uma empresa do Porto, que demonstra desconhecimento da região, e contém “pérolas”, como a proibição da prática de rafting na Serra de Sicó.

“Gostaria de saber onde é o rio onde esse desporto se pode praticar. Até parece que foram à net e copiaram daqui e dali e apresentaram um ‘regulamento’.” A discussão da criação da APP, no seio da Terras de Sicó, foi adiada para depois das eleições autárquicas.

“Neste momento, metade dos presidentes de câmara que participam na associação são novos no cargo, pelo que ainda não houve oportunidade de debater o tema”, explica João Guerreiro, presidente da Câmara de Alvaiázere, que iniciou o mandato em Outubro do ano passado.

Visão semelhante à de Pedro Pimpão, autarca de Pombal, também em primeiro mandato.

Já o presidente da Câmara de Ansião, António Domingues, explica que o primeiro documento foi um trabalho prévio e adianta que, em Maio de 2021, houve mais desenvolvimentos em sede da Terras de Sicó e que a proposta apresentada em 2020 foi melhorada e absorveu contributos dos técnicos e dos agentes locais como o GPS.

“Nunca esteve em cima da mesa dificultar a vida das pessoas e as suas relações com o território, mas criar condições para defender a paisagem e o território”, explica e reconhece que tal poderá colidir com algumas concepções sobre direitos adquiridos da população.

Mas voltando à proposta, para visitar a zona protegida previa-se um pedido prévio e até pagamento de taxas. Uma simples caminhada, fazer escalada no Vale dos Poios ou passeio em BTT necessitaria de autorização.

“Supostamente será para as empresas turísticas, mas o documento não o refere. Como está redigido, é para toda a gente”, alerta Sérgio Medeiros. “Os espeleólogos do GPS não poderão descer às grutas com este regulamento, mas propõe-se que os turistas andem por aí a marcar os buracos da serra com uma app!”, adianta Hugo Neves e explica que, no limite, “se os habitantes quisessem ir à lagoa da Senhora da Estrela, na Redinha, teriam de pedir autorização, quando esta está situada à beira da estrada”.

Quanto às posições mais generalistas, o autarca de Ansião, António Domingues garante que haverá a elaboração de uma regulamentação “mais fina” que solucionará as lacunas.

Até Junho, a Área de Paisagem Protegida deverá voltar à discussão no seio da Terras de Sicó.

Alterações
Património não protegido

O GPS estranha ainda a não integração na Área de Paisagem protegida da zona de vinhas das Terras de Sicó, de grutas classificadas, dos castelos e dos castros, da mancha de carvalho cerquinho de Abiul-Ramalhais, os moinhos de vento de Abiul “únicos no mundo e em processo de classificação” ou a integração da nascente do Anços, mas não do vale desse rio.
 
“Se não houver alteração no documento, para tomar banho na nascente, será preciso uma autorização prévia, mas no rio, mais à frente, já não é preciso!”, afirma Sérgio Medeiros.
 
No parecer do GPS, refere-se ainda a “escassez de bases técnicas e científicas que suportem as várias opções tomadas” e levanta-se a hipótese de não terem sido ouvidas as associações ambientais, as Juntas de Freguesia, as Assembleias de Compartes e cooperativas agrícolas ou sequer os académicos que têm desenvolvido estudos sobre o Maciço de Sicó.