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“Os livros infantis têm respostas para todos os problemas do mundo”

4 abr 2021 12:00

Letras | No 2 de Abril, celebrou-se o Dia Internacional do Livro Infantil

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"As crianças não precisam que se lhes aponte soluções o tempo todo", Gabriela Ruivo Trindade
Aaron Bruden@Unsplash
Jacinto Silva Duro

“Quando escreve para crianças, tem algum cuidado especial?”, perguntamos ao escritor luso-americano Richard Zimler. Os seus olhos claros, ora azuis ora cinzentos, chispam, enquanto a pergunta se aninha na sua mente. “O vocabulário é diferente, as frases são curtas... e há sempre ideias que só os adultos compreenderão”, responde.

Faz uma pausa e continua. “Exigir um conhecimento avançado da língua portuguesa a um jovem de 6 ou 12 anos seria absurdo. E seria uma maneira de desincentivar a leitura. Temos de escrever livros que captam a imaginação, motivam a ler até ao fim da história e a continuar a ler outros livros.”

A meio da frase, faz nova pausa e acaba por revelar um dos segredos da escrita para os mais novos: “Todos temos um jovem no nosso interior. O truque é entrarmos em contacto com esse jovem e ouvir bem o que ele está a dizer.”

Segundo a Pordata, no último ano, publicaram-se quase oito mil livros originais no nosso País. No ano anterior, foram 9200. Muitos deles chegam às estantes sob a forma de memórias, outros como romances e há ainda volumes de poesia e de prosa.

Foto: JohnnyMclung@Unsplash

Resta uma pequena parte que é dedicada ao livro infantil e juvenil, que teve, no dia 2 de Abril, o seu dia internacional.

Em regra, é por lá que a maioria de nós se inicia no mundo das letras e das histórias que nos agarram a imaginação e não a largam até ao pretérito ponto final. É por lá que, bastas vezes, aprendemos a questionar, a formar opiniões, a tolerar e até a amar.

"Todos temos um jovem no nosso interior. O truque é entrarmos em contacto com esse jovem e ouvir bem o que ele está a dizer"
Richard Zimler

Para dar início a essa viagem por mundos imaginados na nossa cabeça, a partir da escrita, é tão importante fazê-lo num livro que nos explica que, afinal, todos somos feitos de camadas, como as cebolas, e que há umas mais felizes e outras mais tristes, tanto quanto fazê-lo ao voar da mente, por um livro sobre o quotidiano de um náufrago numa ilha deserta, sempre com o perigo à espreita e o desenrascanço no bolso... ou até em livros que não pretendem ensinar-nos nada e não encerram outro objectivo que não seja divertir quem o lê.

Neles há mensagens que dizem algo a todos, quer tenhamos 8 ou 80 anos.

“Os melhores exemplos de literatura infanto-juvenil são apreciados por todas as idades, porque têm vários ‘níveis de leitura’. Costumo dizer que os livros infantis têm respostas para todos os problemas do mundo. E isso inclui crianças e adultos”, refere Carlos Silva, professor, autor de livros infanto-juvenis e vencedor do Prémio Literário Afonso Lopes Vieira.

Também Zimler conta que um dos seus objectivos é tratar “assuntos sérios”, tornando-os mais compreensíveis. “Devemos pensar como podemos ajudar, de uma forma séria, uma criança a ultrapassar um problema”, diz, sublinhando que “elas sabem quando um adulto está a mentir ou a branquear um assunto”.

Já a escritora Gabriela Ruivo Trindade explica que não vê problemas em usar palavras complexas.

“É uma forma de incentivar as crianças a irem ao dicionário. Também não gosto da ideia, muito generalizada, de que se tem de ter um cuidado especial com o público infantil, no sentido didáctico e também no sentido de a mensagem transmitida ter forçosamente de ser uma mensagem positiva, que aponte uma resolução para um problema que se levanta no início da história.”

Os livros infantis, defende, devem estimular a imaginação. “Não precisam de ensinar nada, são livros de histórias e não didácticos. E as crianças não precisam que se lhes aponte soluções o tempo todo – podem elas inventar as suas próprias soluções. Um livro que estimule o pensamento e a imaginação vale mais do que mil e uma ‘lições’, que se possam inferir dos livros que se pretendem essencialmente didácticos”.

“Pôr óculos de criança” para escrever
A Mafalda, de Quino, foi um dos livros que marcou a infância de Ana Lázaro.

A dramaturga e escritora nascida em Leiria conta que o pai passava o tempo a dizer que gostava de ter uma filha igual à heroína criada pelo cartoonista nascido na Argentina.

“Até ao momento em que teve e se arrependeu desse desejo”, brinca.

“As histórias ajudam-nos a compreender a nós e aos outros, a construir hipóteses e a sonhar soluções”
Ana Lázaro

“Poesia, contos e a banda desenhada abriram-me caminhos infinitos de possibilidades para que pudesse experimentar ser todas as personagens que desejasse.”

Recentemente, a escritora, que diz gostar de “pôr óculos de criança”, quando escreve para elas, terminou A Grande Revolução - Breve história do dia em que os insectos conquistaram o Mundo, um texto para o Teatro da Terra, com estreia para Maio, a propósito da pandemia.

“Fala de como os insectos aproveitaram o facto de o mundo estar parado e todas as pessoas estarem dentro das suas casas, para fazerem a sua revolução. É essencial, enquanto seres humanos - pequenos e graúdos - em sociedade pensarmos em conjunto e não deixarmos de contar histórias, pois são elas que nos ajudam a compreender a nós e aos outros, a construir hipóteses e a sonhar soluções.”

E será que a pandemia trouxe um retrocesso e desincentivo do convívio, da cumplicidade e da proximidade, enquanto temas da escrita para os mais novos, substituindo- os pela distância e ausência de toque?

“Espero que não. Isso quereria dizer que este vírus, além de nos afectar o sistema imunológico, respiratório e sanguíneo, também afecta a construção do pensamento e da fantasia. Não consigo imaginar cenário mais catastrófico e assustador”, responde Gabriela Ruivo Trindade. Richard Zimler, habituado a mergulhar de cabeça em temas difíceis nos seus "livros adultos", diz que a situação é uma oportunidade de falar frontalmente sobre uma série de temas ligados ao isolamento.

“A solidariedade, a empatia, até a doença e a morte.”

Por fim, Carlos Silva, optimista por natureza, classifica este período como transitório.

“Com a chegada da vacina, é só uma questão de tempo até voltarmos ao ‘normal’.

O contacto físico é uma necessidade humana. Os miúdos nunca deixaram de o fazer entre si.”