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Mircea Albuţiu, fotógrafo e realizador: “uso a minha câmara como se fosse um caçador”

4 mai 2017 00:00

A exposição "New Energy – Amor Amores" pode ser vista no Teatro José Lúcio da Silva até ao dia 26 de Maio.

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Jacinto Silva Duro

Como surgiu o convite para expor a mostra New Energy – Amor Amores em Leiria?
A pessoa que organizou tudo foi o fotógrafo José Luís Jorge. Ele viu o catálogo da exposição e conhecemo-nos na Roménia, num festival de cinema, e ele mostrou-se interessado no meu trabalho. Equacionou onde poderia encontrar um curador, em Portugal, interessado em mostrar as minhas fotografias e após inquirir em vários sítios, finalmente, encontrou uma solução junto da Câmara Municipal de Leiria. O vereador da Cultura gostou do meu projecto New Energy e as coisas começaram a mexer-se de modo a que eu pudesse vir cá expor, a convite do Teatro José Lúcio da Silva.

Vai levar a exposição a outras cidades portuguesas?
Apenas a Lisboa, ao Instituto Cultural Romeno. Se, entretanto, mais alguma instituição e galerias estiverem interessadas estarei disponível. De qualquer modo, estou muito contente com este convite para vir a Leiria e espero que este seja um pontapé de saída que desencadeie outras exposições em Portugal, Espanha e na Europa Ocidental.

Por que razão elegeu a dança e o ballet como focos principais do seu trabalho?
Foi uma coisa que aconteceu naturalmente. Tive a ideia em 2011, quando decidi documentar o trabalho de bailarinos. Pretendia fotografá-los nos bastidores dos espectáculos. Tenho dois projectos para o fazer, um a cores e o outro a preto e branco. A partir daí, iniciei vários outros projectos e este trabalho que fiz, em 2014, com o coreógrafo Gigi Căciuleanu, aconteceu porque eu estava um dia na Ópera a fotografar e ele veio coreografar a peça Amor Amores. Conhecemo-nos e surgiu a New Energy, que foi criada na Ópera Nacional de Cluj. Desde então, todos os anos, fazemos, pelo menos, um trabalho em conjunto.

O que o atrai na dança? A possibilidade de composições a partir da luz, imagem e movimento?
Passo muito tempo, a observar os bailarinos e fico imerso no seu mundo e na dança. Faço parte da coreografia. Respiro tudo o que eles fazem. Uso a minha câmara – uma Leica com Rangefinder - como se fosse um caçador. É preciso pensar o momento antes de ele acontecer e depois faço a fotografia. As imagens que vemos na exposição acontecem primeiro dentro da minha cabeça e só depois é que são captadas pela câmara. É um processo lento. Tiro uma fotografia e, passado um minuto ou dois, tiro outra. Não é como quando se utiliza uma máquina fotográfica de alta velocidade. É tudo muito calculado.

Recentemente, numa entrevista que deu à Leica, mencionou um outro projecto seu ligado ao jazz...
É um projecto sem fim à vista porque adoro jazz. Comecei a ouvir esse estilo musical quando tinha 12 anos, ao mesmo tempo que comecei a fotografar. De certo modo, as duas coisas estão interligadas. Não obstante, o tipo de fotografia que faço no jazz é semelhante ao que faço no ballet. Também procuro trabalhar nos bastidores, em especial durante o soundcheck. Não gosto de tirar fotografias durante os concertos porque, nesses momentos, prefiro "absorver" e tirar prazer da música. Vou aos ensaios, falo com os artistas e consigo captar imagens que são mais interessantes para mim, pois mostram o lado humano dos executantes e não o modo como se apresentam em cima do palco. Já exibi essas fotografias no Montenegro e em dois locais na Roménia. Foram exposições que interessaram sobretudo a pessoas que estão num nicho, pois o jazz não goza de uma grande popularidade. A título de curiosidade, a primeira fotografia de jazz no meu site é do português Carlos Bica.

Nasceu na Transilvânia, um local cheio de histórias e História. Essa sua origem é visível na maneira como fotografa?
Não. De todo. Não me sinto como sendo um "romeno". Sou uma pessoa muito universal. Vivi na Alemanha, visitei a Índia e o Brasil. Adapto-me muito rapidamente ao local onde estou.

Antes da fotografia, trabalhava numa empresa de construção...
Agora só me dedico à fotografia. Desisti do sector da construção. Sou um fotógrafo e realizador freelancer. Neste momento, estou a terminar um mestrado em realização e foi das melhores decisões que fiz. Adoro trabalhar com cinema. O trabalho final do mestrado será um filme documental sobre um cossaco russo que vive no delta do Danúbio. Pretendo candidatá-lo ao cinANTROP - Festival Internacional de Cinema Etnográfico, em Leiria, em Julho. A ideia surgiu durante a minha presença em Leiria. Mesmo que não ganhe nada é sempre bom mostrar o nosso trabalho, pois exibir ao público o que fazemos é muito gratificante. De qualquer modo, já inscrevi o filme em dois outros festivais na Roménia e noutro em Sarajevo. Durante os próximos dois anos, pretendo mostrá-lo nesse circuito dos festivais. Tenho outro filme em que estou a trabalhar sobre a coreógrafa romena Miriam Răducanu, que tem 92 anos, e outro sobre o mundo do jazz na Roménia. O meu trabalho na fotografia está a movimentar-se em direcção ao filme. O meu interesse na fotografia está a tornar-se cinematográfico e, nos próximos dois ou três anos, tenho já muito trabalho alinhavado.

 

Perfil
Convergência entre clássico e contemporâneo

Mircea Albuţiu nasceu no final da década de 70 na mítica Transilvânia, terranatal de personagens efabuladas na literatura e no cinema. Realizador e fotógrafo, este romeno tem-se inspirado no jazz e na convergência entre o ballet clássico e a dança contemporânea, no seu trabalho. 

Após um princípio de vida em que se dedicou ao trabalho no sector da construção civil resolveu dedicar-se em exclusivo à arte da fotografia, depois de uma grande empresa ter adquirido a sua firma, em 2008.

Começou por tirar sete meses de licença sabática apenas para se dedicar à sua grande paixão e rapidamente se tornou num reconhecido fotojornalista na Roménia. Em 2012, regressou ao trabalho na construção civil, como director da filial romena da empresa que havia adquirido o seu negócio.

Acabaria por abandonar em definitivo o sector pouco tempo depois. Hoje, interessa-se cada vez mais pelo cinema documental e está prestes a concluir três documentários. 

A 28 de Abril, passou por Leiria para inaugurar a exposição New Energy – Amor Amores, no Teatro José Lúcio da Silva. A mostra poderá ser vista até ao dia 26 de Maio.