Desporto

Manuel Nunes: "Há pais que exigem aos filhos mais resultados desportivos do que escolares"

13 abr 2017 00:00

O presidente da Associação de Futebol de Leiria explica as vantagens e desvantagens do regresso ao policiamento obrigatório nos jogos e explica as dificuldades criadas pelos pais no desenvolvimento dos jovens atletas.

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Culpa os árbitros pelo que está a acontecer?

Não podemos culpá-los. São o ponto fraco deste processo e temos de defendê-los de tudo. Parece que as pessoas se esquecem que sem um árbitro não se pode fazer um jogo. Tem de haver uma pessoa com grande capacidade técnica e física para acompanhar os jogadores. O problema é que os lances são extremamente rápidos e é muito difícil perceber o que passa, sabendo que os nossos olhos só conseguem captar 16 imagens por segundo e há lances com velocidade superior?

É, então, a favor da tecnologia.

Completamente. Os árbitros têm tido uma boa preparação ao longo dos últimos anos. Têm psicólogo, sociólogo, vão dormir de véspera para os hotéis, mas os erros que cometem hoje são os mesmo de há vinte anos: os foras-de-jogo, se a bola entrou ou não e aqueles lances no meio da molhada. Quer dizer que a preparação que andamos a fazer não é a mais adequada para os problemas críticos que existem no jogo, porque o árbitro não consegue treinar a não ser em jogo. Se queremos o desenvolvimento da modalidade não podemos passar sem o árbitro. Não pode ser o foco, com cinco ou seis canais de televisão a analisar ao centímetro e ao segundo se o árbitro falha, quando ele está colocado na posição contrária, sempre atrasado em relação aos lances. O que sinto é que há falhanços graves dos jogadores que não são analisados proporcionalmente aos erros dos árbitros. Se formos a ver, os árbitros falham 5 a 6 % das decisões. Os grandes jogadores falham muito mais. É o elemento mais fácil para justificar as minhas incapacidades e aselhices, enquanto treinador, jogador ou mesmo dirigente. Não se esqueça que faltam dois mil árbitros no País e com exemplos destes é difícil convencer alguém a seguir esse caminho.

O desporto não deveria ser uma escola de virtudes?

A Constituição diz que o Estado tem a responsabilidade de promover e proporcionar a prática de actividade física e desportiva aos portugueses e a verdade é que gasta muito dinheiro com isso, passando essa incumbência às federações de modalidade e às câmaras municipais. Paga a construção de instalações, paga a formação de agentes desportivos, paga a representação das selecções nacionais. O objectivo é que os cidadãos realizem actividade desportiva porque faz bem à saúde e porque permite que as pessoas tenham uma noção mais rápida e precisa das normas das funções sociais evidentes: respeitar as regras, os horários, os agentes, os directores, os árbitros, o público, os adversários. Por outro lado, não há melhor actividade do que a desportiva para a inclusão. O objectivo, no fundo, é ganhar com aqueles que estão na equipa: sejam eles altos ou baixos, gordos ou magros, pretos ou brancos. Estarmos no balneário todos juntos, vestir e despir, reparamos que há poucas diferenças e todos têm de suar a camisola para ganhar um jogo, é fundamental para percebermos determinadas normas fundamentais para vários campos da nossa vida. No desporto aprende-se ainda outra coisa fundamental, que é o saber perde, porque só ganha um e os restantes têm de se saber organizar.

Os pais estão a subverter o papel que lhes está destinado?

Há 40 anos só havia futebol a partir dos juvenis. Foi a partir da democratização do País que se percebeu que não era apenas aos 15 anos que era importante a prática desportiva e que seria uma arma fabulosa para combater o sedentarismo e a exclusão social. O que se está a notar é que as coisas estão calmas nos escalões mais velhos, mas verificam-se problemas nos mais novos, miúdos com dez ou 11 anos, que não devem disputar campeonatos, mas participar em encontros onde se proporcione aos miúdos situações de actividade física variada. E não fazemos campeonatos, mas aparecem por aí os resultados e as classificações das nossas actividades. É precisamente por isso que no ano passado iniciámos um projecto inovador no País, o Saber Estar no Futebol, em que vamos com um psicólogo ter com os pais, com os dirigentes e com os treinadores, para combater esse ambiente que sentimos que está a ser prejudicial para todos.

O que motiva os pais?

São muito agressivos em querer que os filhos tenham resultados desportivos, inclusivamente superiores aos que têm na escola, o que é inconcebível. Numa fase em que apenas queremos proporcionar mais um momento de actividade física e desportiva, os pais vêem uma final importantíssima para o miúdo se destacar e haver alguém, sabe-se lá quem, que o sinalize e depois o leve para Lisboa ou para o Porto. E isto com miúdos que não têm mais do que oito anos. É ridículo! É preciso que os pais tenham noção que dos 11 mil praticantes que existem na AFL, se sair um com possibilidades de ser profissional de futebol já não será nada mau. É isso que nos dizem as estatísticas.

Pode contar um caso concreto?

A AFL criou uma iniciativa, o Futebol de Rua, com o objectivo de tirar os miúdos de casa, e começar a motivá-los para as habilidades ligadas ao futebol. Como o nome indica, chegou a ser disputado num pinhal, em estradas ou em largos em frente a igrejas. Os pais meteram-se nisto e começaram a dizer aos dirigentes dos clubes que se pagam não é para os filhos jogarem na rua, mas em relvado. E a ideia, que era a espontaneidade do miúdo, foi completamente desvirtuada. Ou seja, o conceito teve de ser refinado por imposição dos pais, já que os clubes nos pediram para ajustarmos às exigências de quem paga uma quota mensal e exige como se de um serviço de tratasse. Neste âmbito temos também o caso de um rapaz que ficou no banco da sua equipa e a mãe escreveu no livro de reclamações da AFL, argumentando que se paga é para o miúdo jogar.

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