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Já comprou uma obra de arte hoje?

10 mar 2016 00:00

O quadro 'A adoração dos magos' mobilizou uma campanha nacional de aquisição, desenvolvida pelo Museu de Arte Antiga, denominadaVamos colocar o Sequeira no lugar certo, que teve início em Setembro, concluindo em finais de Abril.

Jacinto Silva Duro

Recebeu o apoio dos alunos e da Escola Secundária Domingos Sequeira de Leiria, para comprar a obra.

Celebram-se hoje, dia 10 de Março, 248 anos sobre o nascimento do pintor Domingos Sequeira. A terça-feira, dia 8, marcou a passagem deste talentosíssimo desenhador e pintor para o plano eterno, há 179 anos.

Patrono da Escola Secundária Domingos Sequeira, em Leiria, o artista tem sido notícia devido a uma campanha, lançada pelo Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), que pretende reunir o contributo dos portugueses, numa forma de “mecenato popular”, para a aquisição de uma das suas maiores obras, A adoração dos magos (imagem em cima). A campanha Vamos pôr o Sequeira no lugar certo contou com a colaboração da Escola Secundária Domingos Sequeira, que lançou, ela própria, uma angariação de donativos para ajudar o MNAA a adquirir a pintura.

O objectivo é reunir dinheiro suficiente para “comprar” as cabeças dos animais que se vêm nesta representação da Natividade. Como? Já explicamos. Num país onde a sociedade espera do Estado uma atitude paternalista e aguarda, serena, que este adquira e salvaguarde os maiores tesouros culturais comuns, o MNAA lançou um repto a toda a população portuguesa para adquirir esta obra de Domingos Sequeira.

Foi a primeira vez que uma instituição do Estado fez semelhante pedido, para mais, atendendo ao estado das finanças públicas e às magras bolsas dos portugueses. “É a verba mais alta pedida, até agora, em Portugal, por uma pintura anterior ao século XX e que ascende a 600 mil euros.

Pedir ao Estado que adquirisse o quadro, teria sido difícil neste momento que atravessamos”, refere Alexandra Markl, especialista no pintor. Se em Portugal esta acção de angariação de verbas para aquisição de obras de arte é uma primeira aventura, noutros países europeus é comum a população contribuir para que os seus maiores tesouros artísticos não sejam e espalhados por colecções particulares, fora da vista do público.

O director da escola, Alcino Duarte, sublinha que a secundária Domingos Sequeira jamais poderia ficar de fora desta iniciativa. “Contactámos o MNAA e o museu disponibilizou-se prontamente a apoiar-nos no que precisássemos.”

Foi criada uma equipa na escola para concretizar a iniciativa e para que o contributo do estabelecimento de ensino seja significativo para a aquisição da obra. A professora Natália Caseiro é a responsável pelo grupo de trabalho.

“A par da campanha nacional, a escola secundária está a fazer uma campanha local até ao final do período lectivo que termina a 18 de Março”, explica.

Domingos Sequeira, esse desconhecido
Mas qual é o valor deste pintor para as artes nacionais? Na quinta-feira da semana passada, a secundária da cidade do Lis foi palco do ”cruzamento” das duas campanhas, materializado pela presença de Alexandra Markl, autora do estudo A obra gráfica de Domingos Sequeira no contexto europeu, que deu a conhecer aos alunos o patrono do seu estabelecimento de ensino.

Domingos António de Sequeira foi um dos mais talentosos artistas nacionais e um dos mais talentosos desenhadores que a Europa conheceu no final do século XVIII e início do XIX.

Nasceu em 1768, em Lisboa, numa ruela do bairro provisório criado, a seguir ao Terramoto de 1755, no espaço que agora é ocupado pelas traseiras do Palácio Presidencial, em Belém.

Filho de uma família pobre, o pai, natural de Lagos, tinha o mester de “marítimo” - provavelmente remador numa das barcaças que faziam a ligação entre aquela zona e a parte mais cosmopolita da capital, a serviço das famílias nobres.

Ainda menino Domingos Sequeira, revelou dotes para a arte e para o desenho, o que lhe valeu o ingresso, aos 13 anos, na primeira academia pública de desenho, que havia sido criada a ordens da rainha D. Maria I, em 1782.

Matriculado pelo pai, ali aprendeu as bases da disciplina, com o professor Joaquim Manuel da Rocha. “Impressionou os professores de tal maneira que estes guardaram os seus primeiros desenhos e é por isso que temos acesso a eles”, conta Alexandra Markl.

Durante os primeiros anos de escola, demonstrou uma grande progressão artística e um percurso académico exemplar. “No final de cada ano lectivo, havia um concurso entre os alunos e Domingos Sequeira, nos cinco anos que esteve na academia, venceu sempre o primeiro prémio”, sublinha a especialista.

Era exímio a desenhar as texturas, a trabalhar as sombras e as formas do corpo humano. Na verdade, com apenas 18 anos, e depois de ter vencido aqueles prémios, a sua fama era tanta dentro e fora da escola que obteve uma bolsa paga pela rainha, sob a supervisão de João António Pinto da Silva, guarda-jóias da monarca, para ir estudar em Roma, em 1789.

Chegado à então capital dos Estados Pontifícios, onde viveu até 1795, o dia-a-dia era feito sob as regras restritas da escola, sem independência para criar, condenado a repetir até à exaustão cópias de obras de outros mestres, de modo a dominar as técnicas e a reprodução das proporções dos corpos.

Até aos 22 anos, a criação esteve-lhe vedada, era uma simples máquina de fotocópias humana. O período romano está bem documentado porque ao ritmo de três ou quatro missivas anuais, o artista ia informando o guarda-jóias de D. Maria I do seu percurso.

Conta tudo; o que faz, com quem trabalha, o que está a fazer o que está a pensar fazer e, na volta, pede conselhos. À sombra do Vaticano, acaba por ter como grandes mestres Nichola la Piccola e Domenico Corvi, depois da morte do primeiro pedagogo e Antonio Cavallucci.

Frequentou também a Academia do Nu, para aprender a desenhar modelos nus e as formas humanas. Estudava estátuas, estampas, gessos, visitava os palácios para ver as obras de arte e as igrejas até que, passados dois anos, começou a conceber os seus próprios temas.

Mesmo assim, a escolha final cabia a João António Pinto da Silva que decidia, de entre a lista apresentada pelo jovem Domingos, a tarefa onde aquele deveria envidar esforços. Era uma medida de salvaguarda, uma vez que os trabalhos seriam depois ofertados a D. Maria I ou ao seu filho D. João, o príncipe regente, e futuro D. João VI.

Em 1790, concluiu a sua primeira pintura, A Moeda de César, um tema bíblico, de tal qualidade que granjeia o reconhecimento dos especialistas pelo seu domínio da luz, cor e formas, chegando a obra a ser atribuída aos mestres italianos contemporâneos.

“Na primeira fase italiana, Domingos Sequeira escreve em nota nos desenhos 'do natural'. Ou seja, que o desenho foi feito a partir de um modelo real. Vemos isso no estudo para o quadro Morte de Cleópatra, onde se percebe que, comparando com a pintura final, efectivamente, ele era muito melhor desenhador do que pintor”, diz Alexandra Markl.

O percurso escolar em Roma leva-o a participar, em 1789, no reputado Concurso Clementino onde recebe o segundo prémio da classe de pintura com o desenho Milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, de grande formato e executado em pouco mais de um mês.

A maior parte dos restantes 80 candidatos tiveram seis meses para executar as suas propostas. Com a idade precoce de 25 anos, é convidado para professor de desenho, na Academia de São Lucas.

Com o tempo, vai-se especializando em pintura de história, o mais nobre tema da pintura da época que também inclui o sagrado, e é assim que acaba por pintar, em 1793, uma representação do Milagre de Ourique, uma enorme tela, com mais de três metros, que está hoje no castelo d'Eu, em França.

“Hu grande Estudo q. tenho feito em huma Composiçam muito vasta de figuras q. he hu quadro q. tenho detriminado a fazer para S. Mag. Representante quando El Rei D. Afonso Hanriqi primeiro Rei de Portugal ove a Voz de Iesus Cristo e Vio portado de hu grupo de anjos antas de dar a batalha Contra os Cinco Reis no Campo de origi", escreve.

“As pessoas em Portugal não gostam muito de pintura”
Em 1789, com a Revolução Francesa, o destino de Domingos Sequeira iria conhecer uma alteração, cerceando rente uma putativa carreira europeia. Com a conquista da Península Itálica pelas forças napoleónicas, o pintor decide regressar a Portugal, mas sempre com a ideia de, entretanto, voltar a Roma.

Só o conseguirá fazer 28 anos depois, quase no final da vida, mas a tempo de pintar quadros grandes da sua carreira como A adoração dos magos, A Ascensão e A Descida da Cruz.

Regressa, mas à revelia do guarda-jóias da rainha que escreve rogando-lhe: “não venha que as pessoas em Portugal não gostam muito de pintura. Não terá trabalho para fazer, porque os portugueses não valorizam os artistas. Deixe-se estar em Roma”.

Mas Domingos Sequeira é idealista, sonhador e acredita nos seus compatriotas e no valor das artes, mesmo entre os povos mais ignorantes. Mas não será bem assim. “O pintor pediu-me mil moedas por uma simples série de batalhas que lhe encomendei. É um preço astronómico!”, escreve sobre ele o conde de Conde de Val dos Reys.

O mercado é escasso e os clientes queixam-se constantemente de que o preço é “caríssimo”. Cansado da luta constante, resolve ingressar no convento da Cartuxa de Laveiras, onde pinta e refina a sua arte, como se pode ver no quadro Adoração de São Bruno (1800- 1802). A vida beata e santa não o satisfaz...

Já foram vendidos 3.140.434 pixeis
Saiba como contribuir

No átrio da Escola Secundária Domingos Sequeira, em Leiria, há uma contagem decrescente que marca os dias até ao fim da campanha. Hoje, 10 de Março, faltam apenas oito dias para o fim da iniciativa.

“Gostaríamos bastante de endereçar uma quantia com alguma expressão ao MNAA e até ultrapassar o contributo do município de Cantanhede [o município doará 2.195,70 euros ao GAMNAA – Grupo dos Amigos do Museu Nacional de Arte Antiga, um valor que corresponde à população total do concelho e a seis cêntimos por habitante] e tentar comprar os pixeis das cabeças dos animais no quadro. Fica o apelo para que, nesta recta final da campanha haja um contributo efectivo em dinheiro para atingirmos este fim”, solicita Natália Caseiro, a responsável pelo grupo de trabalho na Escola.

O quadro foi dividido em pixeis que custam seis cêntimos cada, mas quem quiser ajudar a escola a adquirir as cabeças dos animais d'A adoração dos magos, pode contribuir, com qualquer quantia, através de transferência bancária para o IBAN 50003504410004277320061 ou por multibanco, para a entidade 20484 e referência 030554471 ou ainda entregando uma quantia directamente nos Serviços Administrativos do Agrupamento de Escolas Domingos Sequeira.

Se, ainda assim, preferir colaborar com a campanha nacional, que dura até 30 de Abril, poderá ir aqui  ou aqui, onde há uma ferramenta que permite escolher e até reservar os pixeis que pretende adquirir. Já foram vendidos 3.140.434 pixeis e estão reservados 10.275.

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