Sociedade

Faleceu Sérgio Ribeiro, um lutador pela liberdade

29 abr 2024 12:59

Militante do PCP, ex-eurodeputado e antigo preso político, morreu esta madrugada no hospital de Leiria. Tinha 88 anos e era natural de Ourém.

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Sérgio Ribeiro teve uma intensa actividade política antes e depois do 25 de Abril
Rogério Dias

Militante do PCP, ex-europedutado e antigo preso político, Sérgio Ribeiro faleceu, esta madrugada, no hospital de Leiria, onde se encontrava internado. Era natural do Zambujal, concelho de Ourem, e tinha 88 anos. Foi uma figura incontornável na luta pela liberdade e na oposição à ditadura.

No pós-25 de Abril, foi também deputado na Assembleia da República e 16 vezes candidato em eleições autárquicas em Ourém, tendo sido eleito, vários vezes, deputado municipal. Licenciado e doutorado em Economia, foi professor universitário e trabalhou como técnico das Nações Unidas em África.

Na última entrevista ao JORNAL DE LEIRIA, em Setembro de 2016, para a rúbrica História de Vida, recordámos o seu percurso, começando por recuar à infância e juventudes passadas em Lisboa, onde o pai, natural do Zambujal, uma pequena aldeia localizada nos arredores de Ourém, se fixou com a família.

“Cresci num ambiente de não aceitação do regime fascista e de defesa da democracia e da liberdade. O meu pai tinha apenas a 4.ª classe. Não tinha hábitos de cultura, a não o de ir ao teatro, que me pegou. Mas, talvez sem saber como nem por quê, era anti-clerical, republicano e anti-fascista”, contou Sérgio Ribeiro nessa entrevista, frisando ainda a influência de alguns amigos do pai, como Artur de Oliveira Santos, administrador de Ourém ao tempos das designadas aparições de Fátima.

Foi, por isso, com naturalidade que, à medida que ia crescendo, em tamanho e em maturidade, tomou consciência de que “não gostava” do que via à volta e se deixou invadir pela vontade de “querer mudar as coisas”. Começou a ir às comemorações do 5 de Outubro no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, e, como isso, vieram as primeiras fugas à GNR que, nesses encontros, “carregava” nos estudantes.

É com a entrada na Faculdade de Economia que intensifica a sua actividade de luta contra o regime, muito por via da sua acção na Associação de Estudante. “O gosto pelo associativismo foi outra coisa que o meu pai me passou. Ele estive ligado a várias colectividades. Fundou a Casa de Ourém em Lisboa, da qual também fui sócio fundador, e organizou a primeira excursão de ourienses a viver em Lisboa à sua terra natal”, recordou em 2016. Enquanto estudava de economia, colaborou com a Associação de Estudantes, nomeadamente, na organização de actividades deportivas, que serviam também como oposição ao regime.

O dia em que a morte saiu à rua

A adesão ao PCP acontece em 1958, no mesmo ano em que termina o curso, passando a integrar a célula de economistas do partido. Desses tempos, são tantas as histórias e os episódios, mas há um que o marcaria para sempre: a morte de José Dias Coelho, que Zeca Afonso imortalizou na música O dia em que a morte saiu à rua.

Nesse dia, Sérgio Ribeiro foi incumbido da missão de ir buscar aquele funcionário do partido para uma reunião. À hora e no local combinado ele não apareceu. Tinha sido interceptado pela PIDE e assassinado na rua. Só dias depois souberam da morte através de uma notícia do jornal. “O episódio marcou-me toda a vida de forma mais do que indelével”.

A 17 Maio de 1963, Sérgio Ribeiro foi preso e levado para o Aljube, onde permaneceu um ano sem julgamento e passou pela tortura do sono. “Ficava com os ajudantes de turno, que tinham papéis diferentes na mesma missão de não me deixarem dormir, o que, por incrível que possa parecer, é a coisa mais fácil do mundo. Um toque no braço. Uma pancada com o cinzeiro na mesa. (…) Um tossicar. Uma moeda riscando os vidros martelados e arrepiando todo o sistema nervoso em tensão”, recordou Sérgio Ribeiro, no livro 50 anos de economia e militância.

Seria condenado a 14 meses de encarceramento e, depois isso, afastado do partido. “Nunca trai. Tive momentos de fragilidade”, assumiu naquela entrevista concedida ao JORNAL DE LEIRIA. Acabaria por ser reintegrado no partido em 1969, ano em que é convidado para integrar a lista de candidatos a deputados por Leiria, que concorria em nome da Oposição Democrática, ao lado de nomes como Vasco da Gama Fernandes, José Vereda ou Henrique Neto.

Entre 1969 e 1974, teve uma intensa actividade política, envolvendo-se em várias lutas de sindicatos – caixeiros e metalúrgicos – e colaborando em publicações como a Seara Nova e Diário de Lisboa e, a partir de 1972, vivia parte do tempo na Bélgica, fazendo contactos com comunicação social.

É nesse contexto que acontece a sua segunda prisão, quando ajudou uma equipa da rádio e televisão belga a fazer uma reportagem sobre a Portugal. “Trouxe-os ao Zambujal para filmarem o Portugal rural, pus-los em contactos com algumas figuras da oposição. Queriam também entrevistar um ex-preso político e marcamos com um camarada”. No dia da entrevista, não apareceu porque tinha sido preso na véspera. Acabaram por me entrevistar”.

Entretanto, regressou a Bruxelas, onde está quando é emitida a reportagem, mas comente o “disparate” de, dias depois, voltar a Portugal para passar a Páscoa. É preso e enviado para Caxias, onde estava quando se deu o 25 de Abril.

Nos pós-revolução, teve uma breve passagem como director-geral do emprego e, em 1976, foi “convidado por alunos de Economia” para ser professor, o que viria a aconteceu, leccionando no ISEG. Em paralelo, colaborou com Organização Internacional do Trabalho em missões de sooperação em Cabo Verde, Guiné e Moçambique, um trabalho que serviria de base ao seu doutoramento. A sua carreira universitária foi interrompida quando o PCP o requisita para deputado, no Paramento Europeu, onde esteve 12 anos, e na Assembleia da República.

Reformou-se em 1999 e regressou, em definitivo, ao Zambujal, com um objectivo em mente: criar em Ourém um espaço, onde pudesse divulgar e promover a cultura. É assim que, em 2001, nasce a Som da Tinta, uma livraria com editora, que tinha 34 sócios, entre os quais, o Nobel José Saramago, que Sérgio Ribeira conhecia do tempo em que trabalho com o Diário de Lisboa.

O espaço acabaria por fechar em 2007, mas nem por isso Sérgio Ribeiro deixou de pugnar pela promoção da cultura. Em 2020, viu a antiga Escola Primária de Zambujal transformada no Centro de Documentação Joaquim Ribeiro, nome do seu pai, um projecto da Câmara de Ourém para o qual muito contribuiu.