Sociedade

“É tempo de o Politécnico de Leiria poder conceder o grau de doutor”

12 jan 2017 00:00

O ex-secretário de Estado do Ensino Superior e presidente do Conselho Geral do Instituto Politécnico de Leiria vai continuar a defender os doutoramentos fora das universidades

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Preside ao Conselho Geral do Instituto Politécnico de Leiria (IPL). Que futuro prevê para esta instituição?
É uma instituição que tem um grande potencial de desenvolvimento. Hoje as pessoas reconhecem no IPL a qualidade da formação e do trabalho que faz. É uma das instituições, a par de mais um ou dois politécnicos, que tem mais de 50% do corpo docente doutorado. A criação do CDRsp [Centro para o Desenvolvimento Rápido e Sustentável do Produto] e do CETEMARES, significa uma aposta na investigação que dá ao Politécnico de Leiria um outro fôlego. É inevitável que a prazo o IPL passe a dar os seus próprios doutoramentos e não apenas a acompanhar os doutorandos nas suas instalações.

Essa tem sido uma das batalhas.
Nos politécnicos percebemos que era preciso dar um passo. Quando o ministro Manuel Heitor esteve em Leiria disse que estava de acordo ou que via com bons olhos o doutoramento nos politécnicos, mas depois foi à Assembleia e disse o contrário, o que nos deixou numa posição difícil. Tínhamos aprovado uma espécie de moção no Conselho Geral, que acabou por não ser publicada. É tempo de o Politécnico de Leiria poder conceder o grau de doutor. As posições que os presidentes dos conselhos gerais tomaram, como ir à Comissão de Educação e Ciência na Assembleia da República e o seminário com o Presidente da República, não se ficam por aí. Isto é o princípio de um movimento. Só que neste momento há eleições em muitos sítios e é preciso garantir que os novos presidentes dos conselhos gerais vão dar continuidade a este processo.

Por que razão continua a haver tanta resistência para que os politécnicos possam conferir o grau de doutor?
A resistência vem da parte das universidades, que, de alguma forma, querem preservar o seu campo. Até que ponto isso significa que as universidades influenciam o ministro é discutível. Não são todas. Já tive oportunidade de falar com reitores que até gostavam de poder dar os CTeSP [Cursos Técnicos Superiores Profissionais]. Nas universidades fora dos grandes centros faz sentido uma aproximação à formação mais profissionalizante necessária para a sua região. Não será uma resistência puramente corporativa, mas porque estão convencidos que a diversidade no ensino superior é melhor defendida havendo um sistema binário. Para mim, esta é uma visão que está ultrapassada. Quando os politécnicos foram lançados era correcto, porque as universidades não estavam preparadas para fazer uma formação mais profissionalizante e para aceitar determinadas áreas de formação que não existiam no ensino superior. Criou-se outro sistema, mas esse sistema cresceu. É verdade que em alguns casos houve algum mimetismo, mas também houve um consolidar do ensino e da qualidade da qualificação do corpo docente, de identificação de novas áreas de formação mais avançada e, portanto, não faz sentido não ter doutoramento.

Como se posiciona a comunidade académica do IPL?
Houve alguma discussão no início. Não é segredo nenhum que Pedro Assunção, quando concorreu às eleições com Nuno Mangas, tinha uma perspectiva diferente em relação a esse tema. Hoje isso está um pouco ultrapassado, porque estavam convencidos que o que se defendia era o IPL passar a universidade e as escolas transformarem-se em faculdades. No fundo, a ideia que tem vingado, e que tem permitido criar algum consenso, é manter o que está bem. Vamos manter as escolas tal como estão e criar uma unidade dentro do Politécnico que permita conferir doutoramentos. Estamos a apostar na investigação, isto significa que temos gente a fazer doutoramento nas nossas instalações, pelo que faz todo o sentido que o instituto possa dar doutoramentos.

Nuno Mangas vai sair este ano. Que balanço faz da sua presidência?
Ele tem tido um papel positivo, sobretudo na projecção do IPL a nível nacional e internacional. Quando fui para presidente do Conselho Geral havia um pólo em Leiria do Instituto de Telecomunicações, mas o IPL não participava na administração. Após alguns contactos acabou por se conseguir que o IPL participasse e isto é o reconhecimento do trabalho que tem feito. Nestes mandatos a consolidação da investigação, o reforço da internacionalização e o reconhecimento do trabalho do IPL tem sido um trabalho meritório.

O que falta ao IPL para se afirmar como um pólo de investigação?
Uma das dificuldades com que os politécnicos se debatem em relação às universidades é que os seus docentes investigadores têm bastante mais aulas do que os docentes numa universidade. Tipicamente, o limite de horas da carreira docente universitária em Portugal são nove horas por semana. No politécnico são 12 e isso faz diferença. Não defendo que se reduza, mas que haja investimento que permita libertar algumas pessoas para fazer mais investigação, sobretudo quando se está mais produtivo e se pode contribuir mais para o desenvolvimento da investigação.

O país precisa de mão-de-obra qualificada e ainda está longe dos números de licenciados de outros países. No entanto, o número de licenciados no desemprego é também elevado.
Temos muitos licenciados no desemprego, mas temos ainda mais não licenciados no desemprego. Se olharmos para as notícias, o número de startups e de empresas com tecnologia mais avançada é elevado, mas são pequeninas, o que significa que o emprego ainda é relativamente limitado. Vamos no bom caminho. Falta qualificar a nossa estrutura produtiva: não só a produção industrial, mas também dos serviços e etc. Isso não se muda de um dia para o outro. Portugal teve o maior crescimento do ensino superior da OCDE entre os anos 80 e o final do século, o que trouxe consequências. Podemos dizer que o ensino superior foi depressa de mais em relação ao tecido sócio-económico ou, como eu prefiro, que o tecido sócio-económico foi devagar de mais em relação ao ensino superior. As pessoas também costumam referir que se tira um curso superior e se está a trabalhar numa caixa de supermercado - o que não acontece apenas em Portugal. A formação nunca é desperdiçada, enriquece-nos.

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