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Correntes d'Escritas: O silêncio, a catarse e a sombra

6 mar 2016 00:00

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O Festival LiterárioCorrentes d’Escritas – Encontro de Escritores de Expressão Ibérica é já um evento icónico de Póvoa de Varzim, que reúne todos os anos escritores convidados, lançamento de livros, cinema, exposições, feira do livro e um vasto programa de actividades.

Mais de 80 escritores estiveram presentes na 17.ª edição do Correntes d´Escritas. Autores de 11 nacionalidades, cinco dias de sala cheia e filas à porta, com um programa que uma vez mais se empenha na promoção do livro, da leitura, do encontro e debate com escritores.

Há 17 anos que a literatura em Portugal tem um ponto de passagem obrigatório: o Correntes d´Escritas na Póvoa de Varzim. Festa do livro e da cultura congrega multidões, cria novos públicos e interage, de múltiplas formas, com a cidade e com o meio.

O silêncio
O primeiro dia do festival abriu com uma palestra do teólogo, poeta e ensaísta José Tolentino Mendonça sobre o silêncio que os livros oferecem ao leitor. Todo o discurso de Tolentino Mendonça foi inesperado.

Na sua densa intervenção Tolentino Mendonça falou da necessidade de valorizar o silêncio como linguagem, porque é uma forma de expressão em que se experimenta "uma proximidade que nenhuma palavra é capaz de dizer."

José Tolentino Mendonça foi ao Correntes d’Escritas prescrever o silêncio como um possível remédio para as maleitas do tempo em que vivemos. Terminou a palestra confessando que nutria o sonho de "ver o silêncio declarado património imaterial da humanidade".

A catarse
O tema A literatura é a catarse da existência juntou Antônio Torres, Hélia Correia e Manuel Alegre. O tópico catarse gerou alguma perplexidade nos oradores. O escritor brasileiro Antônio Torres lembrou-se do título de uma peça brasileira quando foi informado sobre o tema da mesa em que iria participar A longa jornada de um imbecil em busca de um entendimento.

Hélia Correia falou sobre a Grécia e sobre a origem da palavra catarse. “A catarse é um vómito, é livrarmo-nos de qualquer coisa que entrou em nós e alterou o nosso estado físico e mental." "É uma descarga emocional". Manuel Alegre admitiu que não sabe falar de literatura nem de poesia. "Nem sei se uma está relacionada com a outra. A literatura, para mim, é uma espécie de cerimónia de exorcismo, de libertação, não de purga.

Escrever sempre foi um estado de graça, mesmo nos tempos mais terríveis, de guerra, de prisão, de exílio, de despedidas."

A sombra
Uma das vantagens do Correntes d’Escritas é ser suficientemente versátil para não se tornar monótono. O espectáculo oferecido pelo quarteto do Governo Sombra foi desopilante. Não me interpretem malfoi o tema. João Miguel Tavares trocou de papel com Carlos Vaz Marques e cumpriu com distinção o papel de moderador.

Carlos Vaz Marques, João Miguel Tavares, Pedro Mexia e Ricardo Aráujo Pereira mantiveram uma conversa onde não faltou humor, ficção e realidade, à qual se juntou a boa disposição e a crítica sagaz.

Falou-se de mal-entendidos, da democracia e da liberdade de expressão, de Marcelo, António Costa e Donald Trump e do massacre no Charlie Hebdo. Na sala do cine-teatro Garrett, quase 800 pessoas, sentadas nas escadas, em pé, encostadas onde podiam.

O que fica das Correntes
O inebriamento começa na descoberta do programa, e em especial quando nos detemos na leitura dos nomes que batizam cada uma das conversas: Como fugir ao que já foi escrito ou Escrevo o futuro ou escrevo para o futuro eram duas das propostas alinhadas para o segundo dia passado em terras poveiros.

É ali, numa confluência de correntes que têm o seu epicentro no distinto Cine-Teatro Almeida Garret que se encontram aqueles que fazem do livro e da escrita o seu objeto de trabalho ou simplesmente de prazer. E são escritores, editores, jornalistas, professores, alunos, investigadores, artistas, fotografos, tradutores, comunicadores, políticos (!), enfim, um mar de gente, mas acima de tudo, muitos leitores.

Texto e fotografia: Susana Neves e Paula Carvalho com JN

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