Sociedade

Arlete Crisóstomo: "Pressionar alunos para terem 19 e 20 para entrar em Medicina pode levar a jovens profundamente deprimidos"

22 set 2016 00:00

A directora clínica do Centro de Pediatria e Desenvolvimento discorda das aulas de 90 minutos, pois garante que ninguém consegue estar atento tanto tempo

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Nunca se ouviu tanto falar de hiperactividade, défice de atenção ou dislexia. Os casos têm aumentado?
As famílias estão mais atentas, as escolas também estão a pressionar muito mais. A dislexia é uma perturbação crónica e, muitas vezes, quando faço o diagnóstico restrospectivamente aos pais, alguns admitem que também tinham muita dificuldade na leitura e na escrita ou nunca gostaram de ler. Vemos que já há história familiar, porque todas estas perturbações de neurodesenvolvimento têm uma componente hereditária muito acentuada. Antigamente, estas crianças abandonavam precocemente a escola e eram chamadas de ‘burras’, quando sabemos que a dislexia não tem nada a ver com a inteligência. Os disléxicos são inteligentíssimos.

A dislexia é diagnosticada apenas quando se inicia a escola?
Sim, porque é quando começam as aprendizagens formais da leitura e da escrita e é aí que se notam essas dificuldades. Os filhos dos outros meninos chegam ao Natal e já lêem e para estas crianças a leitura é uma coisa extremamente difícil e penosa, que eles recusam. Depois têm dificuldades comportamentais associadas e desmotivação, sentido de incapacidade, baixa auto-estima, e não se enquadram no contexto escolar.

Alguns diagnósticos de hiperactividade e a medicação associada são, por vezes, contestados. Porquê?
Há estudos que mostram alterações ao nível do sistema central nas crianças com perturbação de hiperactividade com défice de atenção (PHDA). No meu tempo, tínhamos escola de manhã e depois andávamos por ali de bicicleta, brincávamos, corríamos e saltávamos. Agora as crianças estão confinadas à escola desde as 8 da manhã até às 7 da noite. Eu tinha a minha mãe disponível 24 horas por dia. Com a pressão do trabalho, os pais hoje chegam a casa cansados, sem paciência e às vezes ainda com os muitos trabalhos que os filhos trazem para casa. Como é que se mandam tantos trabalhos de casa? São trabalhos esforçados para as famílias, sobretudo as que têm dificuldades económicas e sem possibilidade de colocar os filhos no ATL. É extremamente penoso. São horas de grande stress. É evidente que a exigência de manter uma criança sentada horas seguidas, atenta, com aulas muito formais, a debitar a matéria, não é fácil. Numa sala com 30 crianças, em que duas ou três estão constantemente a interromper, a mandar graçolas, a virar-se para o colega, perturba a dinâmica de uma turma. Quem me dera não medicar. Há muitas crianças que tenho a noção que se estivessem noutros contextos não necessitariam de medicação. Agora ter uma criança que tem incapacidade em se manter atenta, de ponderar uma resposta, que está constantemente a ser criticada, que não consegue o mesmo sucesso escolar dos outros colegas, porque é completamente desorganizada ao nível do seu pensamento, precisa de medicação. O insucesso existe e, por vezes, há co-morbilidades associadas, como a dislexia, o que vai levar a uma diminuição das capacidades adaptativas e de interacção social e até a situações mais graves. Por isso, estas crianças beneficiam de medicação, não há outra hipótese. É evidente que quem medica tem de saber medicar, tem de saber que estas situações têm de ser monitorizadas e vigiadas e de estar disponível para qualquer efeito secundário. Tem de entender que há crianças que respondem, a literatura fala em 75%, e os 25% que não respondem têm de ter alternativas. E há sempre que excluir os défices sensoriais. Se uma criança é surda ou vê mal, é desatenta.

A escola de hoje também proporciona problemas comportamentais?
Aulas de 90 minutos são um contra-senso. Todos nós quando estamos numa conferência não estamos sempre atentos. Não se percebe. Os miúdos têm de estar na escola, porque as famílias necessitam, pelo que deviam ter exercício físico, música, poesia, artes, teatro… Deviam ter outras actividades, porque a aprendizagem não é só da Matemática e do Português. A aprendizagem faz-se de um modo global e diversificado. A escola poderia ser um meio importante para optimizar todo este tipo de apoios às crianças. Não estou a defender que a escola seja uma brincadeira. Os miúdos têm de aprender, mas não é por estarem mais horas ou por se dar mais do mesmo que as crianças aprendem mais. Muitas vezes, se a Matemática for dada de outra maneira e integrada num contexto mais funcional, a criança até chega lá mais depressa do que se for dada de um modo formal.

Como se explica que haja alunos que tenham problemas com uns professores, mas não com outros?
Os miúdos com dificuldades percebem perfeitamente quem é que se interessa por eles e não está ali para os desvalorizar, mas para os ajudar. Na escola há sempre professores que têm mais problemas com determinado tipo de crianças, porque outros conseguem enquadrar muito melhor este tipo de alunos.

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