Abertura

Achar emprego em plena pandemia, a tal agulha no palheiro

3 dez 2020 12:03

É mais difícil? É. Mas é impossível? Não! Pelo menos assim mostram algumas pessoas ouvidas pelo JORNAL DE LEIRIA, que, em plena pandemia e num cenário de aumento da taxa de desemprego, conseguiram encontrar e manter o seu posto de trabalho

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Cátia e Irina, duas irmãs da Marinha Grande, que encontraram emprego num café
Ricardo Graça
Daniela Franco Sousa

São inegáveis os números que atestam uma considerável subida do desemprego na região de Leiria, bem como em quase todo o País, fruto da pandemia que fez parar ou abrandar muitos sectores de actividade. No entanto, apesar da dura realidade, há quem tenha encontrado ou criado o seu próprio posto de trabalho depois de Março de 2020.

Optimismo e persistência são algumas das características destas pessoas que, apresar das contrariedades, não deitaram a toalha ao chão. O JORNAL DE LEIRIA ouviu algumas delas, bem como as recomendações de especialistas, que indicam quais os sectores de actividade onde há carência de mão-de-obra.

Contra o desemprego, empreender, empreender
Foi no passado mês de Setembro, em plena pandemia, que Cátia Jerónimo, de 23 anos, já cansada de tanto alternar entre períodos de trabalho temporário e de desemprego, resolveu aventurar-se num negócio por conta própria. Estava uma vez mais inscrita como desempregada no Centro de Emprego da Marinha Grande, depois de ter sido dispensada de uma fábrica, quando sentiu vontade de criar o seu próprio emprego e explorar um café. E nem chegou a usufruir de todo o subsídio de desemprego a que tinha direito. Contou à mãe a ideia, no dia seguinte começou a procurar estabelecimentos na cidade e, quase de imediato, já tinha as chaves na mão.

Com formação na área de técnica de vendas, a jovem entendeu que era o momento de colocar em prática alguns dos ensinamentos que tinha recebido, de poder criar os seus próprios horários e libertar-se do trabalho por turnos. Com casa e carro para pagar, também considerava que passar temporadas sem emprego fixo “não era vida”. Cátia recorda que o seu impulso não foi logo acarinhado pela família, que temia resultados negativos, devido ao contexto de pandemia, aos horários de funcionamento limitados e aos próprios clientes, que nesta fase também perderam poder de compra. Mas a jovem não desistiu.

Tal como imaginava, partir para um negócio nesta fase não foi fácil. Todos os pedidos de ajuda, de informação, simples documentos foram ainda mais complicados de obter, com a maioria dos serviços a solicitar emails ou agendamento de reuniões. Tempos que não se coadunam com a urgência de quem tem compromissos e prazos a respeitar.

Apesar das dificuldades do arranque, o balanço está a ser positivo, com muitos clientes assíduos e com grande solidariedade entre fornecedores, o que acaba por compensar a carga burocrática associada à abertura do café, realça a comerciante. Ao ponto de Cátia já sonhar em abrir um segundo estabelecimento, onde possa vir a reunir um público mais novo, uma casa com música e jogos.

Aos jovens que estão desempregados e que ambicionam ter o seu próprio negócio, a comerciante recomenda que estudem bem e atempadamente o mercado e todos os apoios de que possam beneficiar. Mas alerta, sem gosto pelo atendimento ao público não há estabelecimento do género que possa singrar.

“Uma pausa” enquanto espera pelo turismo
Quem também viu neste café uma oportunidade foi Irina Oliveira, irmã de Cátia, que está a aproveitar a experiência e a amealhar parte da remuneração, enquanto aguarda por uma oferta de emprego no ramo do turismo.

Tem 18 anos e concluiu em Julho o curso de Técnica de Turismo na Escola Profissional e Artística da Marinha Grande. O seu sonho é conseguir trabalho na organização de eventos. Mas como essa é precisamente uma das áreas mais afectadas pela pandemia, esse objectivo vai ser, só por agora, adiado. “Isto é só uma pausazinha”, considera a jovem.

Tal como a irmã, também já teve emprego como operária fabril. Conseguiu- o em Agosto, mal terminou os estudos. “Estava numa zona de pintura a escolher peças”, conta Irina. “Mas tinha vertigens e desmaiava e percebi que tinha a ver com o ruído. Tive de desistir”, explica a jovem.

Desempregada e sem oportunidades de emprego na sua área, resolveu juntar-se à irmã no negócio do café. Em pouco tempo, já conhece as rotinas dos clientes e aquilo que cada um quer. Gosta do contacto com o público. E enquanto a organização de eventos não chega, aproveita para tirar a carta de condução e amealhar algum dinheiro, que poderá dar jeito se as próximas oportunidades de trabalho chegarem de centros urbanos mais distantes.

É esse optimismo e capacidade de adaptação que a jovem recomenda a quem como ela está a lutar por uma carreira profissional.

Emprego novo depois dos 50 anos
José Luz, de Leiria, é exemplo de que é possível encontrar emprego em plena pandemia. Mesmo depois deter completado 50 anos, o que, até em períodos normais, é muitas vezes encarado como raridade. No seu caso, o segredo está nos longos anos de experiência e num trabalho especializado, o que é valorizado no mercado laboral, acredita José Luz, que sempre se manteve confiante.

Depois de mais de 30 anos de dedicação ao sector das tintas, no final de 2019, passou a integrar o número de desempregados inscritos no Instituto de Emprego e de Formação Profissional. A oportunidade de voltar a fazer o que gosta veio a surgir em Setembro deste ano. “Sou responsável de loja e tenho várias funções, desde a área comercial, atendimento e aconselhamento ao público ou facturação”, exemplifica.

Satisfeito com a vida profissional, recomenda a todos os que se encontram desempregados que não desanimem, que não deixem de se candidatar e que se sirvam também dos seus contactos pessoais e informais para se informarem de quem possa estar a recrutar. O tempo de espera, sugere, também deve ser uma oportunidade para apostar na formação e na especialização, uma vez que “o mercado assim o exige”.

Esta é de resto a convicção de Pedro Rodrigues, responsável pela loja PigmentiTotal, que abriu portas em Leiria, e que veio a dar emprego a José Luz. Foi precisamente no contexto de Covid-19 que inaugurou duas lojas, a de Sintra, em Março, e a de Leiria, em Setembro, com as quais criou cinco novos postos de trabalho.

O empresário concorda que a qualidade dos produtos, a formação e o know-how dos seus colaboradores são de resto as grandes responsáveis pelo bom desempenho das suas lojas, mesmo em períodos difíceis. Aliás, Pedro Rodrigues salienta que nem sabe o que é gerir um negócio sem crise. “Abri a minha empresa em 2006 e logo em 2008 chegou a primeira crise, associada ao ramo imobiliário”, recorda o empresário, que recomenda uma gestão baseada em critérios de “autonomia financeira, poupança, sustentabilidade, contratação de pessoas com know-how e artigos de qualidade”.

A bonança depois de muitas tempestades
Paulo Ramos e a família estavam longe de imaginar que, depois de cruzarem o Atlântico em busca de uma vida mais tranquila e segura, iriam viver, em tão curto período de tempo, um número tão grande de provações. Felizmente, tudo entrou nos eixos e o controlo da situação profissional foi o impulso que faltava.

Paulo e a esposa, Fernanda, ambos de 38 anos, deixaram o Estado de Espírito Santo, no Sudeste do Brasil, onde tinham trabalho e casa, para procurarem segurança e garantirem educação de qualidade aos filhos, o que não estavam a conseguir encontrar do lado de lá do Atlântico. Mas, em Março deste ano, a chegada da pandemia veio colocar o casal numa situação de graves dificuldades financeiras.

Com quatro filhos para alimentar, Paulo foi dispensado da fábrica de loiças sanitárias ondelaborava, que, face à quebra de encomendas, não lhe renovou o contrato. E Fernanda, em casa com um filho bebé, já se encontrava à época desempregada.

Os problemas adensaram-se quando o bebé desenvolveu uma pneumonia aguda e o mais velho tuberculose. “Um calvário”, recorda Paulo. “A gente não sabia o que ia comer. Não era o que ia comer no dia seguinte, era naquela hora mesmo.”

A ajuda começou a chegar quando, numa conversa informal, a professora de um dos seus filhos perguntou se estava tudo bem lá por casa. Desde esse momento, os pais dos outros alunos começaram a ajudar com alimentos e o agregado de Paulo passou a integrar a lista de famílias carenciadas ajudadas pela Adeser II, em articulação com o movimento Todos Pela Marinha.

Além dos cabazes de alimentos, Paulo e Fernanda passaram a ser um dos casais apoiados pela Adeser II na inserção no mercado de trabalho. E o novo emprego não tardou. Paulo conseguiu trabalho dia 1 de Junho numa fábrica, na área da pintura, e Fernanda foi recrutada também, pela mesma unidade, para a área da qualidade. Já em Novembro foi a vez do filho mais velho, de 20 anos, que também viu garantido trabalho nesta mesma fábrica.

Muita fé, optimismo, não ter orgulho de pedir ajuda e ter a humildade de se ajustar aos empregos possíveis nesta fase são algumas das recomendações deixadas por Paulo Ramos, que já foi topógrafo, motorista de autocarro, instrutor de condução, entre muitas outras profissões. “É o trabalho que nos escolhe, não somos nós que escolhemos o trabalho”, remata o operário fabril.

Dar a mão na procura activa de emprego
Nos últimos meses, a Adeser II - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social da Região da Marinha Grande reforçou o apoio à população. A chegada da pandemia, a paragem de alguns sectores de actividade, bem como o abrandamento de outros, deixou muitas famílias em maus lençóis, sendo que algumas deles nunca tinham sido, até então, referenciadas pelas várias instituições.

Em parceria com o movimento solidário Todos pela Marinha, a Adeser II tem reforçado a distribuição de cabazes de géneros alimentares por muitas famílias, que viram os seus rendimentos cair abruptamente fosse por situações de layoff, fosse por situações de desemprego que, nalguns casos, bateram à porta dos dois membros d

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