Entrevista

Paulo Lopes: "Os enfermeiros não podem viver só com palmadinhas nas costas. É bom ouvir obrigado, mas não chega"

25 fev 2021 09:40

Enfermeiro chefe no Serviço de Urgência do hospital de Leiria lamenta a falta de reconhecimento da classe

Paulo Lopes tem a especialidade em Enfermagem de Reabilitação, tendo estado vários anos nos cuidados intensivos
Ricardo Graça

A pandemia da Covid-19 apanhou todos desprevenidos. Como foi gerir a equipa de enfermeiros na urgência?
Ajudou bastante sermos uma unidade acreditada, que já tem algumas políticas de segurança. Já tínhamos tido previamente a questão do ébola. Portanto, o Serviço de Urgência já estava de alguma forma dotado de alguns circuitos e de equipamentos de protecção individual (EPI). No entanto, é sempre difícil prever o que aí vem. O Serviço de Urgência é um serviço de portas abertas ao exterior e estávamos, como ainda estamos, receosos daquilo que nos podia entrar em termos de tipologia e quantidade, acompanhado ainda de toda a resposta que tínhamos de dar aos doentes não Covid. A primeira fase, em Março, não foi fácil, mas foi mais fácil do que estas fases que temos vindo a ultrapassar, com maior número de doentes. Dimensionámos o serviço para um número de doentes e as coisas correram efectivamente bem.

Como foi responder nesta última fase?
Com o início do Outono, os doentes começaram a surgir. A grande dificuldade surgiu em Janeiro, como se verificou em grande parte do mundo. Não sei se tem uma causa directa com o termos confinado ou não. Tenho a noção de que se as pessoas ficarem em casa e se houver menos circulação, existe menos contágio. No entanto, existirão outros factores que têm uma tradução importante na razão de Janeiro ter sido tão difícil. Estávamos no Inverno, temos outros contextos respiratórios associados, tivemos duas épocas de comemoração familiar e temos, acima de tudo, estirpes novas com carácter mais contagioso, segundo a descrição científica. Tudo isso junto terá feito com que o mês de Janeiro tenha sido difícil.

Qual tem sido o papel dos enfermeiros nesta pandemia?
Os enfermeiros deveriam ter um reconhecimento social maior. Não quero dizer que sejamos a peça mais importante. Seguindo a filosofia dos países nórdicos, somos todos importantes: desde o assistente operacional, às senhoras da limpeza, ao enfermeiro, ao médico menos diferenciado ou mais diferenciado. Todos têm o seu lugar, mas se pensarmos no papel do enfermeiro nas 24 horas do dia, somos a profissão que mais tempo passa junto dos doentes e que, por vezes, acaba por vivenciar também com eles problemas que outros profissionais, que façam só uma observação clínica, não sentem. Não estou com isto a dizer que em termos emocionais são os enfermeiros que mais sofrem este impacto, mas quanto mais tempo passamos com estes doentes é óbvio que, em termos psicológicos e até de saúde mental, sairemos mais afectados. Os enfermeiros portugueses estão bem preparados, a profissão evoluiu muito nestes últimos 30 anos. Os enfermeiros adquiriram nas instituições de saúde portuguesas um papel importante quer na gestão do processo quer no acompanhamento dos doentes e na sua vigilância. Conseguimos despistar situações de maior ou menor gravidade, com uma parceria interdisiciplinar com a equipa médica e com as assistentes operacionais. Isso traz-nos uma responsabilidade acrescida em não falhar. Conseguimos fazer um diagnóstico e um prognóstico, nunca descurando a questão das relações familiares. Esse é talvez um dos maiores problemas desta pandemia. A questão dos doentes terem de ficar isolados, o não acompanhamento pelos familiares, os receios que têm, o termos de estar disponíveis (com o afluxo de doentes), que não deixa de ser tão importante como a patologia que traz o doente, e depois o morrer sozinho. Aquilo que mais me custa é as pessoas morrerem sozinhas, desprovidas do contexto familiar, e serem enterradas sozinhas.

Os enfermeiros têm então um papel relevante na pandemia pelo tempo que passam com os pacientes.
As unidades hospitalares deveriam ter, ou têm em número reduzido, serviços de psicologia, psiquiatria e social. Todos têm feito um esforço no sentido de dar a melhor resposta. Temos um doente que atingiu o seu grau de cura, mas depois há o receio da integração no meio social. Muitas vezes, acabamos por ficar com estes doentes em permanência porque não pomos as pessoas na rua. Quem está lá fora e diz que os serviços de saúde não prestam, era importante irem a outros países e perceberem o contexto e o valor que nós produzimos. Não produzimos carros, bicicletas ou motas, mas produzimos cuidados de saúde que têm um valor que as pessoas não têm noção. Se as pessoas que vêm a estes serviços altamente diferenciados saíssem com a factura correspondente aos cuidados de saúde que receberam iriam perceber que usufruíram de um bem que, por vezes, é impagável, não só pela condição humana, mas pela condição material. Tenho muita satisfação em ser profissional e em viver num País que promove um sistema nacional de saúde que é gratuito ou tendencialmente gratuito.

“Os enfermeiros deveriam ter um reconhecimento social maior. Não quero dizer que sejamos a peça mais importante. Seguindo a filosofia dos países nórdicos, somos todos importantes: desde o assistente operacional, às senhoras da limpeza, ao enfermeiro, ao médico menos diferenciado ou mais diferenciado”

Agora só se fala na pandemia, mas e os outros doentes?
Preocupam-me os doentes que não são portadores de SARS-CoV-2 e que têm de ficar em espera para verem as suas necessidades em saúde satisfeitas. Se quisermos fazer um paralelismo e pensarmos: só estamos a tratar Covid, então o que é que os prof

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