Entrevista

Paulo Jacob: “Na área da reabilitação, é a arte que pode abrir as mentes e abanar as estruturas”

25 jun 2023 10:12

O musicoterapeuta que esteve em palco com os 5ª Punkada e os Coldplay coordena a orquestra em cadeira de rodas Ligados às Máquinas, que vai tocar em Leiria

[A actuação dos 5a Punkada com os Coldplay] “Acaba por ser uma validação externa de um trabalho que é bom. Fazemos música, pomos as pessoas a dançar”, avalia o técnico da APCC
Ricardo Graça

Paulo Jacob começou por recusar a ideia de trabalhar com pessoas com deficiência, e, entretanto, está há 22 anos na APCC – Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, onde desempenha as funções de professor de educação musical e coordena o departamento de música. Pós-graduado em Musicoterapia, na APCC é responsável pelos grupos 5ª Punkada e Ligados às Máquinas. Também tem trabalho realizado com jovens e crianças com autismo, em contexto de musicoterapia. Foi colaborador do Serviço Educativo da Casa da Música.

Foto de Ricardo Graça.

Como é que os 5ª Punkada acabaram no estádio de Coimbra a tocar com os Coldplay?
Foi uma história maluca, com uma série de desenvolvimentos e retrocessos. Esta ideia, de promover um encontro entre as duas bandas, partiu do nosso presidente da direcção da APCC [Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra]. Longe estávamos nós de pensar que poderíamos, eventualmente, tocar em conjunto. Tentámos agilizar a coisa com o presidente da Câmara de Coimbra, que se disponibilizou logo. Havia várias pessoas a fazer alguma pressão e a tentar ajudar. Entretanto, na última semana antes dos espectáculos dos Coldplay, a comunicação da APCC fez uma publicação.

Nas redes sociais.
Uma coisa muito normal. Olá, Coldplay, somos os 5ª Punkada e deveríamos encontrar-nos para pôr a conversa em dia. E as pessoas começaram a partilhar aquilo. Havia, de facto, uma energia muito positiva. Eu, pessoalmente, não estava à espera que fosse possível. Mas, no domingo, às sete e meia da manhã, recebi a notícia de que íamos tocar com os Coldplay. O presidente da Câmara conseguiu desbloquear a situação, porque esteve, na noite anterior, numa festa privada, em que estavam também os Coldplay, e ele aproveitou a deixa e falou com o Chris Martin. Mostrou-lhe o vídeo do “Blues da Quinta”, que é o primeiro single do disco Somos Punks ou Não?, ele viu uns segundos e passou-se. Chamou logo a manager e disse “faz tudo para meter este pessoal connosco amanhã a tocar”.

A banda surgiu na Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra e tem um percurso de quase 30 anos. Ir a palco com o Chris Martin é uma vitória?
Acaba por ser uma validação externa de um trabalho que é bom. Fazemos música, pomos as pessoas a dançar. Pegando na nossa máxima, que é criar uma espécie de revolução, efectivamente não há, praticamente, bandas com pessoas com deficiência a tocar em Portugal. Há poucas e as que tocam não saem muito do circuito inter-institucional. Portanto, queremos ver se conseguimos abrir aqui caminho para outras bandas. E há bandas muito boas e muito válidas.

Para o Paulo, que é guitarrista dos 5ª Punkada, além de musicoterapeuta, o que significou esta oportunidade?
Os 5ª Punkada são um projecto musical em que a vertente de aquisição de competências – ou seja, a parte educativa – e a parte recreativa se juntam. Isso é feito com uma consciência terapêutica, digamos. Mexeu bastante comigo. Foi especial. Nós temos o departamento de música estruturado em três respostas diferenciadas: pessoas que queriam formalmente aprender música, pessoas que apenas queriam usufruir da música, e a última resposta, a nível terapêutico.

Estamos muito longe de uma plena participação, no palco e na plateia?
Não diria anos luz, mas... Tem que ver com o processo daquilo que se chama inclusão. Prefiro falar em participação, porque é isso que pode ajudar pessoas com deficiência a ganharem competências para participar socialmente, assim como pode ajudar a facilitar o processo de percepção daquilo que é a pessoa com deficiência, da parte do senso comum. Ainda há esta ideia desvalorizante da imagem da pessoa com deficiência, e o caminho, e o grande futuro, na área da reabilitação, é, de facto, a arte, que pode abrir as mentes e abanar as estruturas, os paradigmas.

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